segunda-feira, 7 de agosto de 2017

NÃO HÁ POESIA SEM VERSIFICAÇÃO


Foi precisamente a 16 de Novembro de 1999 que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) instituiu o 21 de Março como dia mundial da poesia com o propósito de celebrar a diversidade do diálogo, livre circulação de ideias e inovação artística através do poder palavra.
No âmbito desta efeméride, Osvaldo das Neves, docente de literatura na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane concedeu ao Jornal o Povo uma entrevista na qual procurou-se abordar sobre os elementos fundamentais para a composição de um texto poético. Ao longo da entrevista, embora com profundas reticências, o entrevistado teceu alguns comentários acerca da tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique.

Osvaldo das Neves, para além de ser docente universitário é também membro de associação literária OLEPA (Nampula) e tem publicada uma obra intitulada a Vingança de Jesus Cristo e é co-autor da obra Literatura Moçambicana: Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate lançada em Outubro de 2015.

1. Será a versificação o elemento caracterizador da poesia,   como muito se apregoa?
Sim. A versificação é e sempre será o elemento caracterizador da poesia, pois não há poesia sem versificação. Ora, há escritores como Eduardo White que por uma razão qualquer compõem textos poéticos que aparentemente não estão amontoados em versos, daí que a sua designação é prosa-poética. Porém, nesses textos é possível constatar-se o cumprimento de algumas regras da versificação como a rima, metro, som, conectores e harmonia. Repito, não há poesia sem versificação.
2. Que elementos a ter em conta na interpretação de um texto ou obra poética?
Na interpretação de um texto literário, seja poesia, romance, conto é necessário a observância da estrutura textual, refiro-me, basicamente, a selecção e combinação de palavras que dão sentido a um determinado verso. Ao interpretar-se um texto poético deve procurar-se saber o porquê da presença de uma palavra no primeiro verso e não no segundo, por exemplo.
Por outro lado, é preciso ter-se em conta o seu estilo, recurso de linguagem e o afloramento das palavras que devem ser utilizadas na composição de um texto literário, pois a literatura não é o que se diz mas sim é como se diz. O outro elemento importante é a combinação do tom rítmico ao tema a ser abordado, isto é, se eu pretendo expressar um sentimento de amargura é claro que não vou usar o mesmo tom com que havia de recorrer para exprimir sentimento de alegria, ainda eu seja acusado de ser um clássico literário (risos)
Meus caros, o ofício da poesia é um trabalho de laboratório, por isso, exige-se algum conhecimento e o domínio de outros elementos como ideologia, religião, código moral, social e outras áreas de saber.

3. Em Moçambique, tem sido comum a premiação de obras literárias de poesia. Como docente, de que maneira é feita a avaliação de um texto ou obra poética, num concurso literário, tendo em conta a componente da subjectividade do poeta e, talvez, do avaliador?
Eu penso que em todos os concursos literários há um conjunto de regras que são previamente estabelecidas para servirem do guião da avaliação das obras concorrentes. Uma delas, na minha opinião, é a criação artística. Por meio da criação artística o ser humano expressa a sua liberdade. O Homem, enquanto artista é totalmente livre, se assemelha à Deus que simplesmente cria coisas que somente ele deseja.
Avaliar uma obra de arte constitui um dilema pois a maior parte de críticos literários nunca produziu um objecto de arte, logo, avalia algo que nem sabe fazer, algo que ignore. No entanto, requere-se uma maior objectividade, rigor, bom senso, sobretudo bom carácter por parte do avaliador. O membro do júri deve ser um sujeito desligado de vícios comuns que caracterizam o nosso mundo, exemplo a corrupção, favoritismo, amiguismo.
Portanto, afirmo que não há um elemento fixo e taxativo que identifique uma obra como sendo a melhor que a outra, razão pela qual tem sido frequente e constante o questionamento sobre a qualidade das obras que vencem os nossos concursos literários.

4- Durante um certo período da nossa literatura, houve o que se designou por poesia de combate. Há vozes que consideram que estes textos são desprovidos de valores estéticos e, por isso, não passam de panfletos contra o sistema colonial. Que comentário gostaria de fazer acerca deste fenómeno?
A poesia de combate é um tipo de manifestação literária que teve o seu tempo e mérito. Naquela altura, Moçambique estava carente daquele tipo de literatura e o facto de não possuir valor estético segundo tais vozes não quer dizer que não é literatura. A estética ou o belo é uma visão particular das coisas, por isso, sempre foi relativa e condicionada pelo tempo e espaço.
Para mim, a poesia de combate tem algum valor estético, entretanto, pode não se adequar aos tempos de hoje. O facto de não corresponder ao tempo em que vivemos não anula a sua existência. De modo algum ela deve ser menosprezada ou esquecida. Ela deve ser estudada e investigada pois influenciou muitos escritores moçambicanos, inclusive aqueles que hoje a critica.

5- Nos últimos tempos, regista-se uma maior publicação de obras de poesias. Ora, qual, na sua opinião, é a tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique?
Quando nós falamos acerca da poesia muitas vezes pensamos em o que está escrito, esquecemo-nos que há também poesia oral, aquela que é frequentemente feita no campo. A poesia é um fenómeno universal, todo homem no seu contexto espacial e temporal tem as suas formas de fazer poesia. Meus caros, me é difícil dizer qual é a tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique pois a poesia moçambicana é vasta e complexa.
Ora, se tivermos que falar acerca da poesia que é composta por versos e em forma de escrita posso afirmar que ela manifesta alguma qualidade, diferentemente da prosa. A nossa prosa não consegue comunicar. Nos últimos tempos, tem sido difícil encontrar um romance ou conto com unicidade temática e rítmica bem estruturada. É muito mais raro ainda encontrar uma prosa que do princípio ao fim não fadiga. Por exemplo, quando lemos a poesia de Craveirinha, nós sentimos na pele que ali viveu um poeta, o mesmo já não acontece com os nossos prosadores. (In)felizmente, Moçambique ainda continua ser pátria dos poetas.
Como docente de literatura, por que é que em Mocambique há poucos críticos literários e, em particular a, da poesia?
Meus caros, a crítica literária é uma actividade reservada à pouca gente, somente os escolhidos. Eu não conheço alguma época histórica ou parte do mundo em que já houve críticos literários em quantidade desejada. Ora vejamos, da Grécia antiga temos apenas a figura de Aristóteles, da Roma antiga Horácio, da idade média Quintiliano.
A poesia é relativamente simples na sua composição e leitura, entretanto, ela é árdua na sua análise. A poesia é profunda e trabalhosa por isso exige alguma maturidade, alma humana e do espírito, algo invisível e imaterial daí que poucos críticos literários se dedicam à ela.



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