sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO É UMA SIMPLIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA”

No passado dia 5 de Maio comemorou-se o Dia da Língua Portuguesa e Cultura da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esta data é comemorada numa altura em que se debatem questões ligadas ao novo acordo ortográfico, ainda não ratificado por Moçambique e Angola.
Alusivo à data, o debate entrevistou Marta Sitoe que é formada em ensino de Português pela Universidade Eduardo Mondlane. É Docente de Português e é  membro da equipa de investigadores da Cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira da UEM.
Como docente da língua portuguesa, partilhou, em forma da entrevista, o seu sentimento em relação a necessidade e ou importância da adesão ao novo acordo ortográfico.

O Novo Acordo Ortográfico (acordo ortográfico de 1990) da Língua Portuguesa tem gerado muita polémica entre os seus opositores e os seus defensores. Como docente de Português de que maneira olha para o novo acordo ortográfico?
R: Uma vez que introduz esta questão fazendo referência a opositores e defensores do novo ortográfico, antes de dar a devida resposta, vou dizer de que lado eu me encontro nessa polémica. Embora eu considere legítimo que o acordo seja questionado nomeadamente no que diz respeito à sua pertinência, nada tenho contra a sua implementação.
O acordo ortográfico de 1990, não vai interferir no conhecimento básico que temos das palavras – o conhecimento do seu significado indissociável da sua forma fónica. Por exemplo, o facto de passarmos a escrever ótimocontraindicação e janeiro em vez de óptimocontra-indicaçãoJaneiro não terá nenhuma interferência na forma como pronunciamos essas palavras nem vai mudar o seu significado. Esse conhecimento, que o temos independentemente de sabermos escrever, não será afectado pelo novo acordo ortográfico. Eu, enquanto professora de Português, vejo este acordo como uma simplificação da ortografia da língua portuguesa, o que, por sua vez, poderá facilitar o ensino e a aprendizagem da escrita e da leitura. A regra segundo a qual “o que não se pronuncia não se escreve”, que envolve as consoantes mudas, é um bom exemplo disso.


Que implicações o Novo Acordo Ortográfico acarretará ao nosso país, cujos dados estatísticos demonstram que somente 15% da população tem o Português como língua materna?
É difícil estabelecer uma relação entre a situação de aquisição do Português em Moçambique e o novo acordo ortográfico. Devemos não perder de vista que ortografia – escrita correcta das palavras de uma língua – é uma convenção cultural e política para a comunicação verbal escrita. A escrita é geralmente aprendida através da instrução formal por todos os usuários da língua independentemente do contexto em que a adquiriram. A partir daqui, pode-se depreender que, independentemente de o sistema ortográfico ser resultante do acordo de 1945 ou do de 1990, a sua aprendizagem será efectuada na escola quer por aqueles para quem o Português é língua materna quer por aqueles para quem é língua segunda. Com isto quero dizer que, o facto de apenas 15% da população ter o Português como língua materna, não constitui problema para a implementação do novo acordo ortográfico.

Em termos concretos, que vantagens o Novo Acordo Ortográfico trará para o nosso país?

No âmbito do novo acordo ortográfico, foi criado o vocabulário ortográfico da língua portuguesa (VOP) para apoiar a sua implementação. Esta ferramenta fornece informações sobre as características formais das palavras do português, tais como a ortografia, a flexão e as relações morfológicas entre palavras. Ainda que tenha sido desenvolvido tomando como referência as palavras do português europeu, também inclui palavras de outras variedades do português, entre as quais, da variedade moçambicana. Se tomarmos em conta que em Moçambique há uma situação de contacto de línguas (Português e línguas bantu), a partir da qual há integração de elementos linguísticos de uma língua noutra, podemos considerar que este acordo trará algumas vantagens para Moçambique no diz respeito aos empréstimos lexicais das línguas bantu no Português. Uma vez que a ortografia desses empréstimos é estranha ao Português, eles têm de passar por um processo de adaptação ortográfica para que efectivamente figurem no VOP como palavras da língua portuguesa. A principal vantagem disso, a meu ver, reside no facto de esses empréstimos, muitas vezes usados para designar realidades culturais típicas, passarem a adquirir um estatuto “global”, ou seja, tendo a sua ortografia adaptada à língua portuguesa, eles passam a integrar o acervo lexical desta língua, podendo ser escritas e lidas sem muitas dificuldades por todos os seus usuários.

Em todo o período histórico, a língua portuguesa conheceu algumas transformações que resultaram do seu contacto com línguas faladas em alguns países da CPLP. O Novo Acordo Ortográfico não servirá de retrocesso comparativamente a outras línguas como o Inglês e o Francês, tendo em conta que o Inglês, em particular, tem muitas pronúncias, mas não são poucos os estudiosos que consideram que não precisa, mesmo assim, unidade ortográfica? 

R: Acho que um acordo ortográfico faz-se necessário onde existe uma divergência ortográfica entre comunidades que tem uma língua oficial em comum. No caso, da língua portuguesa, o facto de existirem duas normas ortográficas oficiais divergentes, uma no Brasil e outra nos restantes países de língua oficial portuguesa, suscitou a necessidade da criação de uma ortografia unificada para esta língua. Com isto, o que pretendo dizer é que não é a existência de pronúncias diferentes que conduz a negociações sobre a unificação ortográfica. Aliás, o facto de o novo acordo ortográfico ter privilegiado o critério fonético (pronúncia) tornou diferentes palavras que eram escritas da mesma maneira no Brasil e em Portugal como por exemplo, decepcionar. Obedecendo à regra “o que não se pronuncia não se escreve” a consoante p deixa de ser escrita em Portugal, mas mantém-se no Brasil.


A partir da sua resposta, conseguimos perceber que, no novo acordo ortográfico ainda persistem divergências ortográficas, podemos, por isso, considerar este acordo um fracasso?
O acordo ortográfico de 1990 foi aprovado com a finalidade de unificar a ortografia do Português e um esforço foi feito no sentido de se alcançar este objectivo. O facto de existirem casos de dupla grafia, a meu ver não constitui um fracasso, mas uma lacuna deste acordo, pois o que aconteceu é que o objectivo não foi cabalmente alcançado.


Há correntes de opiniões segundo as quais o Brasil estará a fomentar a implementação do novo acordo ortográfico da língua portuguesa visto que nesse processo de ratificação tem uma ligeira vantagem comparativamente a outros países. Que comentário lhe apraz tecer a volta dessa percepção.
R: afirmações dessa natureza são feitas pelos opositores do novo acordo ortográfico que alegam que a sua adopção visa facilitar a penetração das editoras brasileiras nos países africanos de língua portuguesa bem como que o mesmo conduzirá, ao “abrasileiramento” da escrita da vertente portuguesa. Bem, eu vou manter-me neutra em relação a estas alegações. Em todo o caso, tratando-se de um acordo, ambas as partes tiveram de ceder, abolindo certos aspectos da grafia que vinham usando. Entretanto, se quantificarmos as modificações feitas pelos dois países, veremos que há uma desproporção numérica. São modificadas 1,6% das palavras de português europeu e 0,5% das palavras do português do Brasil. Acho que estes números comunicam alguma coisa.

Breve historial do acordo ortográfico da língua portuguesa
O Acordo Ortográfico foi assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990 e deveria ter entrado em vigor em 1994, mas exigia que todos os países ratificassem o documento até essa data. Desde então, vieram dois Protocolos Modificativos do Acordo: o primeiro, de 1998, apenas retirou a data inicial de entrada em vigor, que já havia expirado. O segundo protocolo, assinado em 2004, passou a aceitar como suficiente a ratificação por três países para o texto vigorar, além de incluir Timor-Leste no Acordo Ortográfico. Ambos os protocolos foram aprovados por todos os países lusófonos.

O Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram os primeiros países a ratificarem o documento de união da ortografia da língua portuguesa escrita. Portugal ratificou-o em 2008; Guiné-Bissau e Timor-Leste ratificaram-no em 2009. Angola e Moçambique são os países da CPLP que ainda não ratificaram a adesão ao Acordo, que já vigora legalmente em Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.



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