segunda-feira, 7 de agosto de 2017

NÃO HÁ POESIA SEM VERSIFICAÇÃO


Foi precisamente a 16 de Novembro de 1999 que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) instituiu o 21 de Março como dia mundial da poesia com o propósito de celebrar a diversidade do diálogo, livre circulação de ideias e inovação artística através do poder palavra.
No âmbito desta efeméride, Osvaldo das Neves, docente de literatura na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane concedeu ao Jornal o Povo uma entrevista na qual procurou-se abordar sobre os elementos fundamentais para a composição de um texto poético. Ao longo da entrevista, embora com profundas reticências, o entrevistado teceu alguns comentários acerca da tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique.

Osvaldo das Neves, para além de ser docente universitário é também membro de associação literária OLEPA (Nampula) e tem publicada uma obra intitulada a Vingança de Jesus Cristo e é co-autor da obra Literatura Moçambicana: Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate lançada em Outubro de 2015.

1. Será a versificação o elemento caracterizador da poesia,   como muito se apregoa?
Sim. A versificação é e sempre será o elemento caracterizador da poesia, pois não há poesia sem versificação. Ora, há escritores como Eduardo White que por uma razão qualquer compõem textos poéticos que aparentemente não estão amontoados em versos, daí que a sua designação é prosa-poética. Porém, nesses textos é possível constatar-se o cumprimento de algumas regras da versificação como a rima, metro, som, conectores e harmonia. Repito, não há poesia sem versificação.
2. Que elementos a ter em conta na interpretação de um texto ou obra poética?
Na interpretação de um texto literário, seja poesia, romance, conto é necessário a observância da estrutura textual, refiro-me, basicamente, a selecção e combinação de palavras que dão sentido a um determinado verso. Ao interpretar-se um texto poético deve procurar-se saber o porquê da presença de uma palavra no primeiro verso e não no segundo, por exemplo.
Por outro lado, é preciso ter-se em conta o seu estilo, recurso de linguagem e o afloramento das palavras que devem ser utilizadas na composição de um texto literário, pois a literatura não é o que se diz mas sim é como se diz. O outro elemento importante é a combinação do tom rítmico ao tema a ser abordado, isto é, se eu pretendo expressar um sentimento de amargura é claro que não vou usar o mesmo tom com que havia de recorrer para exprimir sentimento de alegria, ainda eu seja acusado de ser um clássico literário (risos)
Meus caros, o ofício da poesia é um trabalho de laboratório, por isso, exige-se algum conhecimento e o domínio de outros elementos como ideologia, religião, código moral, social e outras áreas de saber.

3. Em Moçambique, tem sido comum a premiação de obras literárias de poesia. Como docente, de que maneira é feita a avaliação de um texto ou obra poética, num concurso literário, tendo em conta a componente da subjectividade do poeta e, talvez, do avaliador?
Eu penso que em todos os concursos literários há um conjunto de regras que são previamente estabelecidas para servirem do guião da avaliação das obras concorrentes. Uma delas, na minha opinião, é a criação artística. Por meio da criação artística o ser humano expressa a sua liberdade. O Homem, enquanto artista é totalmente livre, se assemelha à Deus que simplesmente cria coisas que somente ele deseja.
Avaliar uma obra de arte constitui um dilema pois a maior parte de críticos literários nunca produziu um objecto de arte, logo, avalia algo que nem sabe fazer, algo que ignore. No entanto, requere-se uma maior objectividade, rigor, bom senso, sobretudo bom carácter por parte do avaliador. O membro do júri deve ser um sujeito desligado de vícios comuns que caracterizam o nosso mundo, exemplo a corrupção, favoritismo, amiguismo.
Portanto, afirmo que não há um elemento fixo e taxativo que identifique uma obra como sendo a melhor que a outra, razão pela qual tem sido frequente e constante o questionamento sobre a qualidade das obras que vencem os nossos concursos literários.

4- Durante um certo período da nossa literatura, houve o que se designou por poesia de combate. Há vozes que consideram que estes textos são desprovidos de valores estéticos e, por isso, não passam de panfletos contra o sistema colonial. Que comentário gostaria de fazer acerca deste fenómeno?
A poesia de combate é um tipo de manifestação literária que teve o seu tempo e mérito. Naquela altura, Moçambique estava carente daquele tipo de literatura e o facto de não possuir valor estético segundo tais vozes não quer dizer que não é literatura. A estética ou o belo é uma visão particular das coisas, por isso, sempre foi relativa e condicionada pelo tempo e espaço.
Para mim, a poesia de combate tem algum valor estético, entretanto, pode não se adequar aos tempos de hoje. O facto de não corresponder ao tempo em que vivemos não anula a sua existência. De modo algum ela deve ser menosprezada ou esquecida. Ela deve ser estudada e investigada pois influenciou muitos escritores moçambicanos, inclusive aqueles que hoje a critica.

5- Nos últimos tempos, regista-se uma maior publicação de obras de poesias. Ora, qual, na sua opinião, é a tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique?
Quando nós falamos acerca da poesia muitas vezes pensamos em o que está escrito, esquecemo-nos que há também poesia oral, aquela que é frequentemente feita no campo. A poesia é um fenómeno universal, todo homem no seu contexto espacial e temporal tem as suas formas de fazer poesia. Meus caros, me é difícil dizer qual é a tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique pois a poesia moçambicana é vasta e complexa.
Ora, se tivermos que falar acerca da poesia que é composta por versos e em forma de escrita posso afirmar que ela manifesta alguma qualidade, diferentemente da prosa. A nossa prosa não consegue comunicar. Nos últimos tempos, tem sido difícil encontrar um romance ou conto com unicidade temática e rítmica bem estruturada. É muito mais raro ainda encontrar uma prosa que do princípio ao fim não fadiga. Por exemplo, quando lemos a poesia de Craveirinha, nós sentimos na pele que ali viveu um poeta, o mesmo já não acontece com os nossos prosadores. (In)felizmente, Moçambique ainda continua ser pátria dos poetas.
Como docente de literatura, por que é que em Mocambique há poucos críticos literários e, em particular a, da poesia?
Meus caros, a crítica literária é uma actividade reservada à pouca gente, somente os escolhidos. Eu não conheço alguma época histórica ou parte do mundo em que já houve críticos literários em quantidade desejada. Ora vejamos, da Grécia antiga temos apenas a figura de Aristóteles, da Roma antiga Horácio, da idade média Quintiliano.
A poesia é relativamente simples na sua composição e leitura, entretanto, ela é árdua na sua análise. A poesia é profunda e trabalhosa por isso exige alguma maturidade, alma humana e do espírito, algo invisível e imaterial daí que poucos críticos literários se dedicam à ela.



sábado, 5 de agosto de 2017

“SER ESTUDANTE MAIS DO QUE IR À UNIVERSIDADE CUMPRIR COM O PLANO CURRICULAR DO CURSO ESCOLHIDO E CONSUMIR AS SUAS TEORIAS’’

No passado dia 17 de Novembro, a comunidade académica celebrou o dia internacional dos estudantes universitários. A história reza que foi precisamente a 17 de Novembro de 1939 que um grupo de estudantes da antiga Checoslováquia lutou heroicamente contra as tropas nazis que atentavam contra a liberdade do povo deste país. As universidades foram fechadas na madrugada dessa data, as forças nazis invadiram a sede da Federação Central de Estudantes Checoslovacos matando dirigentes e levando centenas de estudantes para campos de concentração.

O Dia Internacional dos Estudantes foi criado em Londres em 1941, pelo Conselho Internacional de Estudantes (a actual União Internacional de Estudantes), com delegados de 26 países. Este dia é aproveitado para promover encontros entre estudantes de diferentes nacionalidades e para enaltecer a importância dos estudos e dos estudantes na construção da sociedade. Neste contexto, o dia 17 de Novembro tornou-se um símbolo, que inspirou acções de estudantes de todo o mundo, representando um dia de solidariedade e luta contra o fascismo, pela liberdade, a democracia, o progresso social e a paz.

No âmbito desta efeméride, o Jornal o Povo, em forma de entrevista, colheu o sentimento do Meque Samboco, estudante universitário da Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Trata-se de um jovem sonhador, poeta e estudante do curso de Psicologia na Vertente de Psicologia Escolar e de Necessidades Educativas Especiais, na Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Actualmente é presidente do Núcleo dos Estudantes da Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Em seus tempos livres escreve e declama poesia em vários eventos.

(CM) Referenciou que era estudante do curso de psicologia, que lugar a psicologia ocupa na sociedade moçambicana?
(MS) Primeiro gostava de referir que, a psicologia é uma ciência que através de métodos e técnicas científicas procura compreender, explicar, interpretar e prever o comportamento humano e os seus processos mentais. É uma ciência complexa e emergente, pouco conhecida e nalgumas vezes muito confundida com a psiquiatria, que é um outro ramo do saber científico mais alargado que a Psicologia. No entanto, esta ciência já ocupa um lugar na sociedade moçambicana, falo em todas as vertentes seja comunitária, organizacional, escolar, clínica, entre outras áreas da psicologia. Actualmente é possível destacar a pertinência de psicólogos escolares e de Necessidades Educativas Especiais no contexto Escolar, por exemplo, um profissional de psicologia auxilia os outros profissionais da área escolar no desenho de estratégias de métodos de ensino e aprendizagem para alunos com dificuldades de aprendizagem, ajustamento de currículos para incluir alunos com vários tipos de deficiências e que muitas das vezes são excluídos ou até mesmo rotulados como sendo “os incapazes”. Também ajuda no diagnóstico de alguns problemas emocionais, aspectos de fóruns psicológico, sociais e familiares que podem influenciar no sucesso e insucesso escolar dos alunos. Contudo, estes alunos supracitados apenas precisam de um auxílio durante a sua aprendizagem, pois cada um tem o seu ritmo de aprendizagem e sus formas de aprender. Neste sentido, já se pode ver, ouvir e perceber estas questões discutidas e reflectidas em alguns fóruns de debates, o que nos deixa confortáveis de que esta ciência, pouco a pouco, já começa a ganhar mais espaço, reconhecimento e apreciação.

(CM) Ao nível da nossa sociedade, ainda há corrente de opiniões segundo a qual a psicologia é um curso para os dementes (malucos). Como forma de eliminar essa percepção, o que lhe apraz a dizer?

(MS) Embora ainda não tenha autonomia científica para responder a sua questão, mas não me simpatizo muito com esta expressão “maluco”, este termo conduz-nos à atitudes pejorativas. Estes são apenas indivíduos que devida a uma lesão ou disfuncionamento em uma das partes do cérebro, já não consegue se ajustar as suas e as exigências do meio, podendo em algum momento restaurar o seu funcionamento, com ajuda de profissionais da área de saúde mental. Bom, eu também fui vítima desta percepção errónea quando fui admitido na UEM. Os meus amigos e conhecidos riram-se de mim dizendo que ia à Maputo estudar para cuidar de “malucos”. Fiquei com receio, assustado e inseguro sobre o curso, porém algo curioso escorria sobre os meus pensamentos e arrastava-me à crença de que não era verdade e, a vontade de estudar a psicologia acresceu ainda mais. Dizer que estes são dois profissionais que trabalham com a mente humana, ajudando a abrandar o sofrimento de pessoas com graus variados de queixas e distúrbios ligados às emoções e sentimentos. O psiquiatra é um médico de fórum psicológico e o seu foco está na identificação e diagnóstico dos transtornos mentais para então propor um tratamento adequado em cada caso. Ele pode solicitar exames clínicos para ajudar no diagnóstico e receitar medicamentos, já o psicólogo, por outro lado, não pode receitar medicamentos, usando apenas técnicas e métodos psicoterapêuticos para ajudar o paciente no seu sofrimento psíquico. Contudo, não existe cursos de “malucos” e nem para “malucos”, são duas áreas da saúde mental que procuram ajudar pessoas que por algum momento perderam o contacto com a realidade e não conseguem se ajustar as normas sociais e vivem num sofrimento psíquico.

(CM) Para si, o que significa ser estudante universitário?
(MS) Uma pergunta muito simples, mas que pode arrecadar uma resposta complexa. Ser estudante é muito mais do que ir à Universidade cumprir com o plano curricular do curso escolhido e consumir teorias, mas sim é, saber aplicar e intervir na sociedade usando os conhecimentos aprendidos na academia e ajudar no desenvolvimento social e humano. Também acaba sendo um momento de construção de novas ideias, novas reflexões, novos paradigmas, teorias, novas formas de pensar, novas amizades, o respeito a diversidade de ideias, o espírito humanismo e o respeito pela diversidade cultural.

(CM) Na qualidade de ser estudante universitário, como tem sido o seu dia-a-dia?
(MAS

(CM) Uma das características da Universidade é a pesquisa. Poucos estudantes se dedicam a esta actividade. Na sua opinião, a que se deve a prevalência desse cenário? 
(MS) Eu também sempre me questionei acerca disso. Porém, às vezes sinto que há um pouco de medo por parte do estudante. Alguns chegam à pensar que investigação é coisa de outro mundo e que só pode ser feito por pessoas que já terminaram a licenciatura ou mestrado. Falo disto por experiência própria, quando ingressei na Faculdade, pensava que pesquisar não era para pessoas do meu nível, mas com leitura, informação e aulas práticas, fui me apercebendo que é possível investigar e publicar um trabalho com ajuda de pessoas mais experientes.



O ACTOR VIVE DE REIVENTAR-SE




  
O dia mundial do teatro é celebrado aos vinte e sete do mês de Março de cada ano. Esta data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura,  (UNESCO) em 1961 com vista a maior promoção do teatro. O teatro é a arte de expor sentimentos e emoções no palco diante de um determinado público.

A propósito desta efeméride, Maria Josefina Armando Massango, ou simplesmente Josefina Massango, actriz, docente, investigadora e directora do curso do teatro na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane falou ao Debate acerca do estilo, riscos e desafios do teatro em Moçambique.

Crescêncio Manhique (CM):
Que tipo de perfil é necessário para se ser um actor de referência?
Josefina Massango (JM):
Quão difícil é a pergunta (risos). No meu entender, não existe alguma receita única e exclusiva para alguém se tornar um actor de referência. Para se ser um bom artista, seja do teatro, dança, pintura, escrita é necessário que haja no indivíduo algum talento e dedicação.

No que concerne ao teatro, iria considerar 4 elementos fundamentais que indubitavelmente um actor deve possuir: rigor, humildade, disponibilidade e uma visão ampla sobre as coisas e o mundo que o rodeia. No entanto, um actor humilde estará sempre aberto para ouvir, acatar e gerir críticas, do contrário não. Um actor que não está disponível por mais que tenha alguma opinião sobre um determinado assunto não será capaz de sistematizá-la devido a sua indisponibilidade.
CM: O teatro é a arte de representar emoções e sentimentos quanto à uma determinada realidade. Olhando para os fenómenos que marcam o actual mundo contemporâneo qual tem sido o seu real papel o teatro?
JM: O teatro sendo a súmula da vida do ser humano, o seu papel não é de resolver problemas mas sim é de informar ao público e mostrar possíveis soluções quanto aos fenómenos que apoquentam a vida de cidadãos que fazem parte de uma determinada sociedade.

CM: Ao longo do tempo, o teatro foi conotado como sendo uma arte de fazer rir as pessoas. Que comentário se apraz tecer à respeito desta concepção?
JM: Huum, de facto muitas vezes o actor recorre a diversão para gozar da liberdade que tem em representar algo com maior naturalidade e sem nenhum preconceito, mas para além da comédia que enfatiza o riso, também existe o teatro informativo, dramático, tragédia. Neste sentido, a representação de uma peça em palco é que permite com que se tenha a ideia clara do tipo de teatro que o actor segue.

CM: No teatro moderno tem sido frequente, um actor desempenhar mais de um papel numa só peça. Que análise faz acerca desta realidade tendo em conta o elevado nível de concentração que é exigido no palco?
JM: Há várias razões que posso aqui evocar, por exemplo, a redução do tamanho de elenco, hospedagem, menos custos e logística. Desempenhar vários papéis no teatro como trabalho de bastidores e de palco numa só peça possibilita ao artista descobrir-se, a si mesmo, isto é, descobre o seu potencial e só assim é que pode sentir-se cada vez mais artista.

CM: Que razões estariam por detrás da escassez de dramaturgos no teatro moçambicano?
JM: Não há dúvida de que a maior parte dos actores moçambicanos não explora muito o estilo da dramaturgia. Em Moçambique, sempre existiu um estilo próprio de fazer teatro e que carece de ser estudado, analisado e bem sistematizado.
A Universidade Eduardo Mondlane, através da Escola de Comunicação e Artes, tem estado a formar estudantes em curso superior do teatro e num futuro breve passaremos a consumir o Made in Mozambique.

CM: Costuma se dizer que em qualquer profissão há riscos. Quais são os riscos da profissão do teatro em Moçambique?
JM: Fazer teatro em Moçambique é um risco (…) pois ainda não há entendimento real acerca dessa arte. O teatro mexe com as sensibilidades culturais, económicas, sociais e políticas e o actor dentro da sua liberdade deve passar ideias e informações e que numa condição normal dificilmente poder-se-ia efectuar.
Por outro lado, fazer teatro em Moçambique é um risco dado que o actor vive de reinventar a sua vida. Ele deve, constantemente, recriar-se, e ser escravo de si mesmo, isto é: do seu corpo, mente e ideias, razão pela qual que o trabalho do actor não o permite alcançar um patamar desejável.

CR: Que avaliação faz acerca do estágio actual do teatro moçambicano?
JM: Esta é uma questão muito complexa e ambígua, pois a avaliação pode cingir-se em vários aspectos, tais como: a aceitação, produção, escrita, infra-estruturas, nível de consumo e satisfação do público. Ora, vou me deter apenas num aspecto aqui elencado. Ao nível de produção, eu considero que a oferta ainda não satisfaz ao número de consumidores, se calhar é o facto de o teatro não ser uma actividade de massas. No entanto, se analisarmos o estilo do teatro que é frequentemente feito em Moçambique constataremos que tem sido o mesmo estilo, por sinal a comédia. A comédia é um estilo que facilmente atrai o público diferentemente dos outros géneros, pior porque no nosso país ainda não há uma política relativa à actividade cultural.


Mini biografia da entrevistada
Maria Josefina Armando Massango, seu nome artístico Josefina Massango nasceu a 28 de Fevereiro de 1972, Chicualacuala, Maputo. Em 1998 frequentou o curso de formação de actores na Universidade de Évora, Portugal e em 2007 licenciou-se em História na mesma universidade. Já em 2014 concluiu o seu primeiro mestrado em Relações Internacionais e Desenvolvimento no Instituto Superior de Relações Internacionais. Durante a década de 1990, participou em programas de teatro da Televisão de Moçambique e Radio-Televisão Portuguesa de África denominados Praça de Alegria, Programa de Sensibilização-Educação Cívica, Mão a Obra, Pai a força e Sentimentos. De 2006 para cá tem estado a actuar na Associação Cultural Casa Velha com destaque à peças: Pranto de Maria Parda, Comédia sem título, Sapataria perigosa. Actualmente, Josefina Massango é directora do curso do teatro, assistente universitária e investigadora do projecto do saber popular nas artes ao conhecimento crítico da academia na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane.


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO É UMA SIMPLIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA”

No passado dia 5 de Maio comemorou-se o Dia da Língua Portuguesa e Cultura da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esta data é comemorada numa altura em que se debatem questões ligadas ao novo acordo ortográfico, ainda não ratificado por Moçambique e Angola.
Alusivo à data, o debate entrevistou Marta Sitoe que é formada em ensino de Português pela Universidade Eduardo Mondlane. É Docente de Português e é  membro da equipa de investigadores da Cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira da UEM.
Como docente da língua portuguesa, partilhou, em forma da entrevista, o seu sentimento em relação a necessidade e ou importância da adesão ao novo acordo ortográfico.

O Novo Acordo Ortográfico (acordo ortográfico de 1990) da Língua Portuguesa tem gerado muita polémica entre os seus opositores e os seus defensores. Como docente de Português de que maneira olha para o novo acordo ortográfico?
R: Uma vez que introduz esta questão fazendo referência a opositores e defensores do novo ortográfico, antes de dar a devida resposta, vou dizer de que lado eu me encontro nessa polémica. Embora eu considere legítimo que o acordo seja questionado nomeadamente no que diz respeito à sua pertinência, nada tenho contra a sua implementação.
O acordo ortográfico de 1990, não vai interferir no conhecimento básico que temos das palavras – o conhecimento do seu significado indissociável da sua forma fónica. Por exemplo, o facto de passarmos a escrever ótimocontraindicação e janeiro em vez de óptimocontra-indicaçãoJaneiro não terá nenhuma interferência na forma como pronunciamos essas palavras nem vai mudar o seu significado. Esse conhecimento, que o temos independentemente de sabermos escrever, não será afectado pelo novo acordo ortográfico. Eu, enquanto professora de Português, vejo este acordo como uma simplificação da ortografia da língua portuguesa, o que, por sua vez, poderá facilitar o ensino e a aprendizagem da escrita e da leitura. A regra segundo a qual “o que não se pronuncia não se escreve”, que envolve as consoantes mudas, é um bom exemplo disso.


Que implicações o Novo Acordo Ortográfico acarretará ao nosso país, cujos dados estatísticos demonstram que somente 15% da população tem o Português como língua materna?
É difícil estabelecer uma relação entre a situação de aquisição do Português em Moçambique e o novo acordo ortográfico. Devemos não perder de vista que ortografia – escrita correcta das palavras de uma língua – é uma convenção cultural e política para a comunicação verbal escrita. A escrita é geralmente aprendida através da instrução formal por todos os usuários da língua independentemente do contexto em que a adquiriram. A partir daqui, pode-se depreender que, independentemente de o sistema ortográfico ser resultante do acordo de 1945 ou do de 1990, a sua aprendizagem será efectuada na escola quer por aqueles para quem o Português é língua materna quer por aqueles para quem é língua segunda. Com isto quero dizer que, o facto de apenas 15% da população ter o Português como língua materna, não constitui problema para a implementação do novo acordo ortográfico.

Em termos concretos, que vantagens o Novo Acordo Ortográfico trará para o nosso país?

No âmbito do novo acordo ortográfico, foi criado o vocabulário ortográfico da língua portuguesa (VOP) para apoiar a sua implementação. Esta ferramenta fornece informações sobre as características formais das palavras do português, tais como a ortografia, a flexão e as relações morfológicas entre palavras. Ainda que tenha sido desenvolvido tomando como referência as palavras do português europeu, também inclui palavras de outras variedades do português, entre as quais, da variedade moçambicana. Se tomarmos em conta que em Moçambique há uma situação de contacto de línguas (Português e línguas bantu), a partir da qual há integração de elementos linguísticos de uma língua noutra, podemos considerar que este acordo trará algumas vantagens para Moçambique no diz respeito aos empréstimos lexicais das línguas bantu no Português. Uma vez que a ortografia desses empréstimos é estranha ao Português, eles têm de passar por um processo de adaptação ortográfica para que efectivamente figurem no VOP como palavras da língua portuguesa. A principal vantagem disso, a meu ver, reside no facto de esses empréstimos, muitas vezes usados para designar realidades culturais típicas, passarem a adquirir um estatuto “global”, ou seja, tendo a sua ortografia adaptada à língua portuguesa, eles passam a integrar o acervo lexical desta língua, podendo ser escritas e lidas sem muitas dificuldades por todos os seus usuários.

Em todo o período histórico, a língua portuguesa conheceu algumas transformações que resultaram do seu contacto com línguas faladas em alguns países da CPLP. O Novo Acordo Ortográfico não servirá de retrocesso comparativamente a outras línguas como o Inglês e o Francês, tendo em conta que o Inglês, em particular, tem muitas pronúncias, mas não são poucos os estudiosos que consideram que não precisa, mesmo assim, unidade ortográfica? 

R: Acho que um acordo ortográfico faz-se necessário onde existe uma divergência ortográfica entre comunidades que tem uma língua oficial em comum. No caso, da língua portuguesa, o facto de existirem duas normas ortográficas oficiais divergentes, uma no Brasil e outra nos restantes países de língua oficial portuguesa, suscitou a necessidade da criação de uma ortografia unificada para esta língua. Com isto, o que pretendo dizer é que não é a existência de pronúncias diferentes que conduz a negociações sobre a unificação ortográfica. Aliás, o facto de o novo acordo ortográfico ter privilegiado o critério fonético (pronúncia) tornou diferentes palavras que eram escritas da mesma maneira no Brasil e em Portugal como por exemplo, decepcionar. Obedecendo à regra “o que não se pronuncia não se escreve” a consoante p deixa de ser escrita em Portugal, mas mantém-se no Brasil.


A partir da sua resposta, conseguimos perceber que, no novo acordo ortográfico ainda persistem divergências ortográficas, podemos, por isso, considerar este acordo um fracasso?
O acordo ortográfico de 1990 foi aprovado com a finalidade de unificar a ortografia do Português e um esforço foi feito no sentido de se alcançar este objectivo. O facto de existirem casos de dupla grafia, a meu ver não constitui um fracasso, mas uma lacuna deste acordo, pois o que aconteceu é que o objectivo não foi cabalmente alcançado.


Há correntes de opiniões segundo as quais o Brasil estará a fomentar a implementação do novo acordo ortográfico da língua portuguesa visto que nesse processo de ratificação tem uma ligeira vantagem comparativamente a outros países. Que comentário lhe apraz tecer a volta dessa percepção.
R: afirmações dessa natureza são feitas pelos opositores do novo acordo ortográfico que alegam que a sua adopção visa facilitar a penetração das editoras brasileiras nos países africanos de língua portuguesa bem como que o mesmo conduzirá, ao “abrasileiramento” da escrita da vertente portuguesa. Bem, eu vou manter-me neutra em relação a estas alegações. Em todo o caso, tratando-se de um acordo, ambas as partes tiveram de ceder, abolindo certos aspectos da grafia que vinham usando. Entretanto, se quantificarmos as modificações feitas pelos dois países, veremos que há uma desproporção numérica. São modificadas 1,6% das palavras de português europeu e 0,5% das palavras do português do Brasil. Acho que estes números comunicam alguma coisa.

Breve historial do acordo ortográfico da língua portuguesa
O Acordo Ortográfico foi assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990 e deveria ter entrado em vigor em 1994, mas exigia que todos os países ratificassem o documento até essa data. Desde então, vieram dois Protocolos Modificativos do Acordo: o primeiro, de 1998, apenas retirou a data inicial de entrada em vigor, que já havia expirado. O segundo protocolo, assinado em 2004, passou a aceitar como suficiente a ratificação por três países para o texto vigorar, além de incluir Timor-Leste no Acordo Ortográfico. Ambos os protocolos foram aprovados por todos os países lusófonos.

O Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram os primeiros países a ratificarem o documento de união da ortografia da língua portuguesa escrita. Portugal ratificou-o em 2008; Guiné-Bissau e Timor-Leste ratificaram-no em 2009. Angola e Moçambique são os países da CPLP que ainda não ratificaram a adesão ao Acordo, que já vigora legalmente em Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.



A CENOGRAFIA É APLICADA EM ÁREAS COMO TEATRO, DANÇA, CINEMA, CIRCO, ÓPERA, CONCERTOS DE MÚSICA, TELENOVELAS, PUBLICIDADE, ETC’’

Cenografia é a arte de projectar e executar a instalação de cenários para espectáculos teatrais ou cinematográficos. Ela é composta pelos elementos visuais que fazem parte da encenação, como as decorações, os acessórios (adereços) e a iluminação. Por meio dela, identifica-se a personalidade dos personagens que estão em cena.
Um dos nomes sonantes da cenografia em Moçambique é de Sara Machado, que muito tem actuado nessa área com o destaque para a dança contemporânea Kinani. Sara Machado, partilhou ao debate o seu percurso artístico que resulta da formação em Design de Cena pela Escola Superior de Teatro e Cinema entre outras formações adicionais.

CM: A apresentação do seu primeiro trabalho de cenografia foi em 1997. Volvidos 19 anos, fale-nos do seu dia-a-dia?
SM: O meu dia-a-dia tem sido muito variado porque a profissão de cenógrafa é muito diversificada nos desafios e nas circunstâncias em que se processa, alimentando assim uma vida bastante interessante e contrária à rotina monótona da maioria das profissões.

CM: Muitos trabalhos de cenografia da Sara Machado resultam da leitura e interpretação de textos literários. Como tem sido este processo?
SM: Normalmente qualquer encenador, dramaturgo ou cenógrafo iniciam o seu processo de trabalho com a leitura e interpretação de um texto. Enquanto cenógrafa, depois da primeira leitura em que me surgem imediatamente imagens (como penso que acontece a todos os leitores mas os cenógrafos já estão mais treinados para passar das imagens à prática) costumo também fazer pesquisa sobre o tema, época, conteúdos, personagens e tudo o mais que me seja sugerido na leitura. Quando reúno essa documentação, habitualmente já me começaram a surgir ideias. Às vezes surgem até ideias a mais... Depois há que confrontá-las, fazer escolhas, perceber se são adaptáveis aos enquadramentos materiais da produção, limpá-las de elementos desnecessários e chegar à ideia que apresentamos ao grupo de trabalho.

CM: Sara Machado tem criado cenografias e figurinos de muitas peças teatrais. Já em Moçambique só o fez 3 vezes no teatro, por exemplo para o espectáculo Identidades de Jens Vilela Neumann sobre os magermanes. Em termos concretos qual é a função de um figurino no palco?
SM: Em teatro é sempre difícil definir conceitos fechados dessa forma porque as exigências de uma peça ou de um texto são sempre totalmente diferentes das outras. Basicamente, a função de um figurino é, de alguma forma, caracterizar o personagem, defini-lo aos olhos do espectador mas pode também ser muito importante na revelação de dados que não estão explícitos no texto, pode associar-se simbólica metaforicamente a ideias que nos ajudam a uma outra visão desse personagem e da sua realidade.

CM Em 1999 Sara Machado preparou figurinos para a peça Mein Kampf. A acção desenrolada nessa peça estará relacionada com a história de Adolfo Hitler?
SM: Sim, foi um dos meus primeiros trabalhos profissionais ainda no CENDREV, em Évora. O texto de Hitler foi adaptado por Paulo Alves Pereira, moçambicano e que viveu muitos anos em Berlim Leste. A peça era uma comédia que gozava Hitler, isto é, falava dele como uma pessoa perturbada e psicótica, reduzindo-o a uma pessoa pequenina, mesquinha e cheia de frustrações por resolver.

CR: Na produção do Festival de Dança Contemporânea KINANI consta o nome da Sara Machado como uma das produtoras de um dos eventos. Fale-nos da sua integração na equipa desse Festival.
SM: Há muitos anos, numas férias passadas cá dei um seminário sobre Adaptação de Espaços para Espectáculos e aí conheci o Quito Tembe que o frequentou. Quando eu vim viver para cá há 4 anos reencontrei-o e ele disse-me que era Produtor do KINANI, e que eu era a pessoa ideal para o ajudar a produzir um novo evento para o Festival, a realizar em espaços abandonados. Esse evento é o 4º Andar realizado pela primeira vez em 2013 no edifício em suspensão construtiva na Av. Olof Palm, frente ao Ministério do Interior. O evento teve muito sucesso e voltámos a realizá-lo outra vez no ano passado, na última edição do Festival. Foi através do KINANI que conheci muitos bailarinos e coreógrafos que começaram a convidar-me para trabalhar com eles em projectos de dança como figurinista e/ou cenógrafa. Tem sido uma experiência muito diferente e agradável e que me fez abrir novas perspectivas de aprendizagem, longe da área que sempre me foi mais familiar: o teatro. A dança é mais livre de condicionamentos, tem uma linguagem mais abstracta, menos realística.

CM: Uma especialista de cenografia teria conhecimento profundo relativo à dança?
SM: Antes da minha vinda para Moçambique eu nunca tinha trabalhado com dança. Mas gosto e sempre gostei de desafios novos e este está a dar-me muito prazer. Porém, a cenografia pode ser aplicada em variadíssimas áreas como teatro, dança, cinema, circo, ópera, concertos de música, telenovelas, publicidade, etc.

CM: A terminar, qual é o contributo que tem estado a dar relativamente aos grupos emergentes do teatro?
CM: Tenho estado a trabalhar com os alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, onde sou docente. Alguns alunos por vezes pedem-me a ajuda para projectos externos à escola, mas só posso tentar ajuda-los a pensar e dar ideias pois eles passam muitas dificuldades para os concretizar. Cenografia e figurinos, dependendo do projecto específico, podem não necessitar de fortunas para serem realizados mas sem nenhum dinheiro é muito difícil fazer seja o que for... Sinto e vejo que há muito potencial e gente com muita vontade, interesse e curiosidade em aprender e fazer melhor mas não há quem os apoie financeiramente e que lhes dê condições (como espaços de actuação).

Mini- Biografia da Sara Machado
Licenciada em Design de Cena pela Escola Superior de Teatro e Cinema (2008). Curso de Design Gráfico e Criação por Computador promovido pelo FUNDETEC/RUMOS (1992/93). Leccionou Oficina de Cenografia incluída no Curso de Estudos Teatrais da Universidade de Évora.
Lecciona Cenografia e Figurinos actualmente no Curso de Teatro da Escola de Comunicação e Artes da UEM, Maputo. Participou na elaboração de cadernos de formação de competências para profissionais do espectáculo no Projecto FIRCTE, apoiado pelo Programa Leonardo Da Vinci, a nível europeu.
Trabalhou como cenógrafa/figurinista free-lance com muitas diferentes companhias e encenadores de teatro, por explº: Miira Sippola (Myllitheateri, Finlândia), Paulo Matos (F. C. Gulbenkian), João Mota (Teatro da Comuna), Fernando Gomes (Teatro da Trindade), Mário Barradas (Cendrev), Jean-Pierre Sarrazac (Cendrev), Andreas Poppe (Baal 17), João Lagarto (Teatro dos Aloes), José Mora Ramos (Teatro do Tejo), Cláudio Hochmann (Teatro daTrindade), entre muitos outros.
Actualmente, em Maputo, trabalha essencialmente como cenógrafa e figurinista para dança contemporânea tendo já realizado 6 espectáculos desde 2013 e produzido o evento 4º Andar por duas vezes, integrado no Festival de Dança Contemporânea KINANI, promovido pela Iodine Produções.



“FAM=FORÇA, ATITUDE E MUDANÇA”

Desde o vigésimo dia do mês de Setembro do ano em curso, o Movimento Activista Moçambique vem desencadeado uma campanha de angariação de fundos denominada “ O TEU 1 METICAL, CONTA “. Com esta iniciativa, pretende-se colectar uma quantia igual ou superior a 50 mil meticais a ser doado a Escola Primária Completa em Bunhiça. Com o valor angariado, construir-se-á três salas de aulas com o material não convencional (chapas de zinco, estacas, pau-ferro, etc). Essas salas servirão para a leccionação de aulas de explicações ou reforço pois, neste momento, naquela escola não existem sombras para os voluntários desenvolverem as suas actividades.

Como forma de chamar atenção à sociedade sobre a necessidade da participação activa em causas do género, os jovens que pertencem a este movimento, com a sua marca, FAM= Força, Atitude e Mudança, incansavelmente, têm vindo a desenvolver acções de sensibilização e mobilização em locais de maior concentração populacional, a destacar: mercados da Cidade de Maputo e Matola, Instituições de Ensino e Praias.

Como forma de provar-se que o movimento está realmente engajado pela causa, independentemente do meio para o alcance dos valores previstos, também tem se envolvido no polir de viaturas na praia de Costa de Sol. Para colher-se mais informações acerca dessa iniciativa, segue-se a entrevista, em forma clássica de perguntas e respostas, com Cídia Chissungo, líder do movimento.

Como surgiu a iniciativa: Projecto Bunhiça?
R: O Projecto Bunhiça surge no âmbito de um trabalho que temos vindo a desenvolver em algumas escolas com o objectivo de trazer alguma mudança que beneficie não só aos alunos, mas também a comunidade escolar no seu todo. Inicialmente, previa-se dar aulas de reforço ou explicação se preferir, mas chegados no local deparámo-nos com uma realidade triste. Na escola, constatamos que não havia nenhum espaço vago nem arvores para servirem de salas, foi no meio dessa revolta que achou-se que precisávamos retratar e mudar esta realidade que julgamos ser triste. A mesma afecta o país inteiro…

Que experiências vocês têm para desenvolver esse tipo de projecto?
R: Não é a primeira vez que desenvolvemos um projecto igual nas escolas. Nos primeiros meses do ano, a nossa atenção esteve centrada para a Escola Primária Completa Kurhula que se encontra localizada no Bairro de Maxaquene. Através da angariação de mais de 400 livros, conseguimos transformar o rosto de um depósito de livro em uma biblioteca. Por outro lado, pintamos a parte frontal da biblioteca para que fosse mais convidativo. O projecto Bunhiça surge como seguimento da primeira acção feita no início deste ano, salientou a entrevistada.

Para a materialização desse projecto, desenvolveram uma campanha designada” O TEU 1 METICAL, CONTA “. Porquê um metical?
Campanha 1 metical porque partimos do pressuposto segundo o qual a problemática das crianças no chão deve comover a todos, independentemente da classe e condição social. O 1 metical é a plena garantia de que todos poderão contribuir, isto é, campanha O TEU 1 METICAL CONTA constitui uma oportunidade única para mostrar-se que a participação pode ser de variadas formas, com pouco ou muito, pois, a intenção é que é importante.

A construção de salas de aulas sempre exige investimentos monetários avultados. A angariação de fundos por meio de um metical não seria uma autêntica utopia?
Utopia seria se não estivéssemos no estágio em que estamos agora, neste momento temos mais de 39 000,00 mt angariados em apenas 4 semanas. Somos jovens sonhadores e não há nada que nos impeça de sonhar, quanto mais lato for o sonho melhor. Moçambique está precisar de pessoas com capacidade não só de sonhar mas também de fazer os outros acreditarem que o trabalho transpõe as barreiras.

Faltando apenas 2 dias para o termino da vossa campanha. Que balanço faz acerca dessa iniciativa.
R: A campanha tinha sido agendada para terminar no dia 20 do mês do Outubro, mas a pedido dos pais e encarregado de educação durante o último encontro que realizamos com a comunidade acordou-se que estender-se-ia até dia 30. O balanço é positivo. Quanto a isso, não sou muito de duvidar, segredo-vos.

O meu grupo é sensacional, durante a campanha, trabalhou-se dias e noites, num ambiente marcado sem água, sem comida, custo de transporte foi sempre pessoal. Enfim, nesta campanha tivemos a prova de que em Moçambique ainda existem jovens que se entregam às causas sociais do país, bem-haja. 


MAIS DO QUE IR À UNIVERSIDADE CUMPRIR COM O PLANO CURRICULAR DO CURSO ESCOLHIDO E CONSUMIR AS SUAS TEORIAS’’




O AMANHECER DE UM CRIME INCONFESSÁVEL

Sempre que o dia amanhecesse, Janet dizia ter um apetite de passear pelo mundo fora a fim de prestar um gesto de caridade, mesmo quando não fosse o quinto dia útil da semana. Certo dia, Janet decidiu manter-se estagnada junto ao tronco da frondosa árvore e deste modo indignava a sua própria mãe que, diariamente, via no seu semblante a preocupação em aventurar-se para terras em via de desenvolvimento.

Atentamente, observou o alvoroço dos moradores da localidade de Zonguene e a comitiva de idosas que, de casa em casa, ia pedindo votos em favor dos seus partidos com vista a vencerem a segunda volta do sufrágio eleitoral que tinha decorrido há sensivelmente duas semanas. Durante esse processo, algumas idosas aproveitavam também para conversar sobre coisas que nunca conversavam com os seus maridos.

Antes da eclosão da chuva, por sinal, torrencial, Janet mudou completamente do plano que havia elaborado, desde a hora em que se apercebera do amanhecer de um novo dia. No entanto, abandonou a sombra da mafurreira na esperança de alcançar um meio de transporte que pudesse levá-la a uma das zonas recônditas da região norte de Moçambique, para reduzir, consideravelmente, a alta taxa de criminalidade, mais alta que o número da população activa.

As horas, os minutos e os segundos não tardaram a anunciar o aterrador som da aterragem do voo que era exclusivo à Janet. Depois de ter atingido o pátio e arredores do bairro do Aeroporto Internacional de Pemba, momentaneamente, Janet ficou encantada com a paisagem e o movimento vespertino dos estrangeiros que se deslocavam àquele ponto, em busca de oportunidades de negócios e implementação de mega-projectos nalguns distritos da província de Cabo Delgado.

Ao pôr o pé no chão, Janet apreciou a placa que indicava a direcção e a quilometragem da avenida que dava acesso à praça dos mendigos e desempregados. Era uma praça sobejamente conhecida até na diáspora, em memória do senhor Savula, maior criminoso do Séc. XVIII, que vivera naquele tempo da intensa guerra mundial.

Fustigada pelo calor escaldante que se fazia sentir no fim da tarde do dia 23 de Novembro de 1983, Janet dirigiu-se ao encontro de desempregados e mendigos que costumavam reunir-se para desfrutarem dos bons momentos que a vida lhes proporcionava graças aos actos criminosos que por eles eram protagonizados. Estando já na praça, viu e testemunhou de perto a incrível maneira de se comportar de tais criminosos, quando, tivera acertado uma aliciante bolada na noite anterior.
Todos alegres cantavam e dançavam em compasso binário, ternário e até quaternário. Poder-se-ia confundir com a claque de uma equipa de futebol que acabara de marcar um golo para a qualificação às meias-finais da Liga dos Campeões Europeus.

No final da animação, Janet alojou-se no hotel de um proprietário negro situado na vila turística de Mocímboa da Praia. Na parte superior do portão desse hotel, havia representações pretas que rigorosamente interditavam a entrada de pessoas de tez negra. Hotel No Black, assim era o nome do hotel.
Durante o repouso, de tanto pensar na tarefa que teria logo pela manhã do dia seguinte, Janet não conseguiu pregar o olho. Imagens fantasmagóricas embaraçavam-lhe a mente, formando um monumento de criminosos. Eram desempregados aqui, mendigos acolá, proporcionando um belo espectáculo através da entoação de cânticos vitoriosos à semelhança do povo africano aquando da conquista das independências dos seus países na década de 1960.

Os desempregados e os mendigos apresentavam letras e acordes musicais bastante lindos. Qualquer sujeito que os visse e ouvisse naquele instante, certamente, ficaria bem maravilhado. Bailavam e pulavam como se festejassem o fim de uma tremenda peleja.
No transcorrer da madrugada, à medida que, paulatinamente, as estrelas do céu iam dobrando o manto do seu brilho, o cenário mudava, facto que, subitamente, no compartimento feminino, se desencadeou num susto que abalou muitos turistas que ainda se encontravam deitados.

Com um soco esquerdo, Janet furou as grades perpendiculares da janela do quarto que vestiam 28 cm de largura e 1 metro de comprimento só para contemplar demoradamente as ondas do mar e o primeiro brilho de clarear do sol.
Estando ainda a deliciar-se do fulgor dos últimos raios solares, Janet ouviu um timbre de vozes mistas e acidentadas de gente que, com todo o sacrifício, havia dispensado a confortáveis camas para se exporem à rua em busca do pão e, logo pela manhã, dava-se a sensação de uma sessão de assinatura de autógrafos. Assim se deleitavam os petizes como se fossem moscas, carinhosamente lambendo a semente de manga madura sobre o chão na época de Verão.

“A alegria vem da barriga e do seu suor viverá o Homem”: assim o dizem as Sagradas Escrituras!
Com amor, gosto e carinho, Janet avançou para Montepuez, região em causa para a sua aventura. O intuito era exactamente cumprir com uma das declarações feita por Jesus Cristo, antes de ter sido encaminhado e crucificado na cruz de calvário. Nesse sermão, ordenaram-se os 12 discípulos o seguinte:
Ide ao mundo, recolhei os criminosos, desempregados e mendigos que empobrecem o planeta terra. Proporcionai-lhes uma vida condigna; uma vida livre de males que enfermam as nações. Se assim o fizerdes, os vossos anos de vida, ainda que sejam amputados na terra, lá nos céus serão multiplicados setenta vezes mais. Em nome do pai, o criador dos céus, da terra e de tudo o que nela abunda. Ámen!

No limiar do dia, nada se fez para além de varrer um grupo de raparigas e rapazes de tenra idade que, durante a calada da noite, se dedicavam à criminalidade nas ruelas do bairro de Natite Na sua maioria são petizes que logo cedo assistiram ao fim das vidas dos seus entes queridos. Alguns nunca sentiram o calor do colo materno e nem o prazer de pronunciar o doce palavreado que engloba apenas uma consoante e duas vogais: MÃE. São petizes que, ainda que cresçam e sejam chefes de famílias, motivos lhes faltarão para recordar, reviver e transmitir aos felizardos filhos a experiência de uma vida vivida.

Cumprida a comprida missão, Janet comprou uma luxuosa residência no bairro cimento no Município de Montepuez para albergar os petizes que já carregavam na testa a sina de miséria, pobreza e todo o mal que um ser vivo consciente não pode e nem deve imaginar.
Movidos pela inocência e desejo de se aliviar definitivamente do pesado fardo alicerçado pelas peripécias da vida, os petizes aceitaram o convite de, brutalmente, se desligarem da rua e sem dizer um simples adeus ao amor e à compaixão que a rua lhes deu, ao longo de longos anos, anos incontáveis e indescritíveis.
Com o acto, abria-se assim a nova página no trajecto das suas vidas, que se compara a um rebelde adolescente, quando, surpreendentemente, é implorado a receber um irrecusável baptismo religioso.

Várias e sucessivas incidências marcaram a jornada da bonança. Gente de género e etnia diferentes, mas sob igual tratamento. Uma nova fisionomia arquitectava-se nos rostos dos petizes. A cada dia, desapareciam as sequelas da vida da rua que é levada por indivíduos a quem é negado o direito à educação (formal).
O dia dos petizes obedecia sempre a uma agenda inalterável. Nos dias úteis da semana, pelas 8h da manhã, no quintal da residência, desenhava-se uma curva do autocarro com a chapa de inscrição “PINY: G.P 1975” que simbolizava a saída de petizes para o Colégio do Abu Cherif.

Nesse colégio, as lições eram sempre dadas em línguas árabes. Ao inglês, língua de cães e gatos, recorria-se em caso de necessidade e extrema urgência. Aos sábados, uma comissão de líderes religiosos proveniente do município de Mueda liderada por Issufo Amade Ali transmitia os ensinamentos básicos do islão recorrendo ao alcorão.
Já no sagrado dia de Allah, a rotina era totalmente diferente. O dia fragmentava-se em três partes: de manhã, ia-se à mesquita; à tarde desfilava-se pelo mundo clássico de cinema Kids; à noite, praticavam-se modalidades desportivas no Ringue Desporto.

Aos feriados, os petizes eram levados aos Lounges Chez Natalie e Anantara Medjumbe Island Resort. Gozavam de um mundo extraordinário que, para a nossa realidade, (in)felizmente, ainda constitui uma autêntica utopia.
Um mundo sem criminalidade, sem desemprego, sem mendicidade, sem desigualdades sociais, sem exploração do Homem pelo Homem, sem descriminação, sem preconceito, sem egoísmo, sem ostentação, sem orgulho, sem humilhação e sem, sobretudo, o complexo de superioridade. Era um mundo caracterizado pela cultura de humildade, paz e amor ao próximo.

Após se ter dedicado à bonança, decidiu concretizar o sublime sonho que carregava no ventre da sua mãe como herança intransmissível. As petizas (donzelinhas), com prematuro crescimento, viram-se aconselhadas a integrar a equipa de moças que vinham da terra natal da Janet para participar na cerimónia de despedida de solteiras rumo ao Centro Sexual Khilibiwa de Opkins.

Com as donzelinhas, o centro passaria a ter uma aparência renovada, isto é, de noite para o dia, tornar-se-ia no lugar mais atractivo da região norte do país. Por outro lado, havia a crença segundo a qual, de segundo em segundo, o centro estaria inundado de chuvas de homens, incluindo os que exibissem a aliança como símbolo de casamento para actualizar a sua potência sexual com vista a ter uma boa vida conjugal.
Para a tradição de muitos povos africanos, a aliança na mão esquerda constitui uma prova viva de que o indivíduo já provou da fruta de que Adão e Eva foram proibidos.

Dois dias antes do final de cada mês, as ditas donzelinhas tinham por obrigação apresentar à Janet um talão de depósito com respectiva assinatura do agente bancário. Trimestralmente, auferia-se um subsídio correspondente a cinco por cento do valor acumulado para a manutenção de cabelos, sobrancelhas, lábios, seios, unhas, perninhas e…
Enquanto isso, os petizes percorriam os bairros de Napai e Nkoripo do distrito de Muntepuez para caçar, pescar, rachar a lenha, apascentar o gado e trazer produtos alimentares para garantir a passagem tranquila da noite. Desta maneira, Janet, tocava nas estrelas que encobrem o céu. O céu era o limite.

Numa bela manhã, após o habitual mata-bicho das 7h, Janet ouviu uma voz rouca pedindo licença e, de forma grosseira, impediu uma das suas empregadas que fosse abrir o portão do quintal. Na sua mente, havia a convicção de que se tratava do primeiro cliente do dia. Seja bem-vindo e pode seguir-me a mim. Assim foi recebido o Sr. Lipangue.
Imediatamente, na sala das negociações, instalou-se um clima estranho ao ponto de despertar a atenção da Maria e Josefina que por lá passavam para a sala de visita onde costumavam aguardarem pela solicitação para a consumação do acto sexual.
- Mana Maria, por que esse tanto barulho na sala?
- Não sei…
- É que é tão estranho, mana. Sabes, desde que estamos neste cativeiro nunca ouvi a mama Janet a falar nesse tom. Acrescentou a Josefina. 
Pela natureza de questões que o Sr. Lipangue ia colocando, Janet apercebera-se que não se tratava de um cliente tal como pensou, mas sim de um agente da polícia da investigação criminal que procurava apurar a veracidade da informação que já era motivo de conversa nos cafés e nos transportes semi-colectivos de Mocimboa da Praia a Montepuez.

Janet, preocupada com o agente policial que lhe havia visitado a residência, não esperou pela vinda da sua confidente amiga Lizete, com quem só se avistava no princípio do fim do mês, ou caso houvesse ocorrência de um tumulto no “Munenguas Bar”, lugar onde, às sextas e sábados, se fazia a verdadeira feira de gastronomia africana. Todo o sujeito que por lá passava tinha o direito de comer, beber, fazer fofocas, até de fazer sexo gratuitamente!

A cada instante, os olhos da Janet transformavam-se em verdadeiras lágrimas de crocodilo. Estando ainda mergulhada no desespero do crime que vinha cometendo há mais de três anos, Janet lançou os olhos ao ponteiro do relógio da parede que acabava de marcar duas horas da tarde e dezasseis minutos. Todavia, não hesitou em levantar-se do sofá da sala das negociações para, através do ventilador, quebrado atirar o colar que acabara de comprar na loja Ossaman Yacoob. De repente, preparou-se e foi ao povoado de Paquitequete para encontrar a Nelsy, albina, curandeira, vencedora do último título de Honoris Causa.

Após a consulta feita, em sacos de lixo recebeu um monte de raízes e folhas dispersas que, durante 7 dias e 7 noites de muita fervura, cada donzelinha devia tomar, pronunciando pausadamente os nomes e as respectivas características dos homens com os quais se envolvera sexualmente. Por fim, deviam assaltar as tumbas dos legítimos familiares a fim de prestar o sacrifício, assim, em menos de quinze dias, a segunda vinda da polícia à sua nova residência em Mirige estaria inexplicavelmente adiada.


Quando quis pôr-se à rua, Janet abraçou longamente a Nelsy, assegurando-lhe que seguiria com delicadeza as prescrições dadas. Minutos depois, ouviu o ronronar do comboio vindo de um lugar invisível e descontroladamente pulou a linha férrea, dando pelo início do amanhecer de um crime inconfessável.