Cenografia é a arte de projectar e executar a instalação de cenários para
espectáculos teatrais ou cinematográficos. Ela é composta pelos elementos
visuais que fazem parte da encenação, como as decorações, os acessórios
(adereços) e a iluminação. Por meio dela, identifica-se a personalidade dos
personagens que estão em cena.
Um dos nomes sonantes da cenografia em Moçambique é de Sara Machado, que
muito tem actuado nessa área com o destaque para a dança contemporânea Kinani.
Sara Machado, partilhou ao debate o seu percurso artístico que resulta da
formação em Design de Cena pela Escola Superior de Teatro e Cinema entre outras
formações adicionais.
CM: A apresentação do seu primeiro trabalho de cenografia foi em 1997.
Volvidos 19 anos, fale-nos do seu dia-a-dia?
SM: O meu dia-a-dia tem sido muito variado porque a profissão de cenógrafa
é muito diversificada nos desafios e nas circunstâncias em que se processa,
alimentando assim uma vida bastante interessante e contrária à rotina monótona
da maioria das profissões.
CM: Muitos trabalhos de cenografia da Sara Machado resultam da leitura e
interpretação de textos literários. Como tem sido este processo?
SM: Normalmente qualquer encenador, dramaturgo ou cenógrafo iniciam o seu
processo de trabalho com a leitura e interpretação de um texto. Enquanto
cenógrafa, depois da primeira leitura em que me surgem imediatamente imagens
(como penso que acontece a todos os leitores mas os cenógrafos já estão mais
treinados para passar das imagens à prática) costumo também fazer pesquisa
sobre o tema, época, conteúdos, personagens e tudo o mais que me seja sugerido
na leitura. Quando reúno essa documentação, habitualmente já me começaram a
surgir ideias. Às vezes surgem até ideias a mais... Depois há que
confrontá-las, fazer escolhas, perceber se são adaptáveis aos enquadramentos
materiais da produção, limpá-las de elementos desnecessários e chegar à ideia
que apresentamos ao grupo de trabalho.
CM: Sara Machado tem criado cenografias e figurinos de muitas peças
teatrais. Já em Moçambique só o fez 3 vezes no teatro, por exemplo para o
espectáculo Identidades de Jens Vilela Neumann sobre os
magermanes. Em termos concretos qual é a função de um figurino no palco?
SM: Em teatro é sempre difícil definir conceitos fechados dessa forma
porque as exigências de uma peça ou de um texto são sempre totalmente
diferentes das outras. Basicamente, a função de um figurino é, de alguma forma,
caracterizar o personagem, defini-lo aos olhos do espectador mas pode também
ser muito importante na revelação de dados que não estão explícitos no texto,
pode associar-se simbólica metaforicamente a ideias que nos ajudam a uma outra
visão desse personagem e da sua realidade.
CM Em 1999 Sara Machado preparou figurinos para a peça Mein Kampf. A acção
desenrolada nessa peça estará relacionada com a história de Adolfo Hitler?
SM: Sim, foi um dos meus primeiros trabalhos profissionais ainda no
CENDREV, em Évora. O texto de Hitler foi adaptado por Paulo Alves Pereira,
moçambicano e que viveu muitos anos em Berlim Leste. A peça era uma comédia que
gozava Hitler, isto é, falava dele como uma pessoa perturbada e psicótica,
reduzindo-o a uma pessoa pequenina, mesquinha e cheia de frustrações por
resolver.
CR: Na produção do Festival de Dança Contemporânea KINANI consta o nome da
Sara Machado como uma das produtoras de um dos eventos. Fale-nos da sua
integração na equipa desse Festival.
SM: Há muitos anos, numas férias passadas cá dei um seminário sobre Adaptação
de Espaços para Espectáculos e aí conheci o Quito Tembe que o frequentou.
Quando eu vim viver para cá há 4 anos reencontrei-o e ele disse-me que era
Produtor do KINANI, e que eu era a pessoa ideal para o ajudar a produzir um
novo evento para o Festival, a realizar em espaços abandonados. Esse evento é o
4º Andar realizado pela primeira vez em 2013 no edifício em suspensão
construtiva na Av. Olof Palm, frente ao Ministério do Interior. O evento teve
muito sucesso e voltámos a realizá-lo outra vez no ano passado, na última
edição do Festival. Foi através do KINANI que conheci muitos bailarinos e
coreógrafos que começaram a convidar-me para trabalhar com eles em projectos de
dança como figurinista e/ou cenógrafa. Tem sido uma experiência muito diferente
e agradável e que me fez abrir novas perspectivas de aprendizagem, longe da
área que sempre me foi mais familiar: o teatro. A dança é mais livre de
condicionamentos, tem uma linguagem mais abstracta, menos realística.
CM: Uma especialista de cenografia teria conhecimento profundo relativo à
dança?
SM: Antes da minha vinda para Moçambique eu nunca tinha trabalhado com
dança. Mas gosto e sempre gostei de desafios novos e este está a dar-me muito
prazer. Porém, a cenografia pode ser aplicada em variadíssimas áreas como
teatro, dança, cinema, circo, ópera, concertos de música, telenovelas,
publicidade, etc.
CM: A terminar, qual é o contributo que tem estado a dar relativamente aos
grupos emergentes do teatro?
CM: Tenho estado a trabalhar com os alunos da Escola de Comunicação e Artes
da Universidade Eduardo Mondlane, onde sou docente. Alguns alunos por vezes
pedem-me a ajuda para projectos externos à escola, mas só posso tentar
ajuda-los a pensar e dar ideias pois eles passam muitas dificuldades para os
concretizar. Cenografia e figurinos, dependendo do projecto específico, podem
não necessitar de fortunas para serem realizados mas sem nenhum dinheiro é
muito difícil fazer seja o que for... Sinto e vejo que há muito potencial e
gente com muita vontade, interesse e curiosidade em aprender e fazer melhor mas
não há quem os apoie financeiramente e que lhes dê condições (como espaços de
actuação).
Mini- Biografia da Sara Machado
Licenciada em Design de Cena pela Escola Superior de
Teatro e Cinema (2008). Curso de Design Gráfico e Criação por
Computador promovido pelo FUNDETEC/RUMOS (1992/93). Leccionou Oficina de
Cenografia incluída no Curso de Estudos Teatrais da Universidade de Évora.
Lecciona Cenografia e Figurinos actualmente no Curso de Teatro da Escola de
Comunicação e Artes da UEM, Maputo. Participou na elaboração de cadernos de
formação de competências para profissionais do espectáculo no Projecto FIRCTE,
apoiado pelo Programa Leonardo Da Vinci, a nível europeu.
Trabalhou como cenógrafa/figurinista
free-lance com muitas diferentes companhias e encenadores de teatro, por explº:
Miira Sippola (Myllitheateri, Finlândia), Paulo Matos (F. C. Gulbenkian), João
Mota (Teatro da Comuna), Fernando Gomes (Teatro da Trindade), Mário Barradas
(Cendrev), Jean-Pierre Sarrazac (Cendrev), Andreas Poppe (Baal 17), João
Lagarto (Teatro dos Aloes), José Mora Ramos (Teatro do Tejo), Cláudio Hochmann
(Teatro daTrindade), entre muitos outros.
Actualmente, em Maputo, trabalha essencialmente como cenógrafa e
figurinista para dança contemporânea tendo já realizado 6 espectáculos desde
2013 e produzido o evento 4º Andar por duas vezes, integrado no Festival de
Dança Contemporânea KINANI, promovido pela Iodine Produções.
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