quarta-feira, 2 de maio de 2018

Outro olhar sobre a morte da Zena Bacar


Outro olhar sobre a morte da Zena Bacar
Sempre que um artista de grande calibre perde a vida, tem sido comum nas redes sociais aparecerem comentários que colocam em causa o papel dos órgãos governamentais que operam na área da cultura.  Muitos deles, são comentários do tipo, se o governo tivesse intervindo o artista X não teria morrido tal como Marta e Maria declararam a Jesus aquando da morte do seu irmão Lázaro, amicíssimo de Jesus.
Quanto a surpreendente morte da conceituada cantora Zena Bacar, os comentários, embora  diferentes na sua abordagem, para os mais atentos, percebeu-se que o seu alcance tinha a ver com as críticas que eram lançadas ao Estado como se fosse inteiramente responsável pela morte dessa diva. Por isso, de forma grosseira, as pessoas problematizavam o papel que é desempenhado pelo governo no que toca a protecção social dos artistas.
É certo que o governo, neste caso, o Ministério e direcções culturais, têm ou deviam ter um papel preponderante a desempenhar, daí que existe, a associação dos músicos, embora a opinião pública considere que poucas são as acções concretas e visíveis que são desenvolvidas por esta agremiação. Por exemplo, de forma recorrente, tem se questionado acerca da inexistência de um plano de saúde para os músicos. 
A respeito da morte e da figura da Zena Bacar, os comentários que inundaram e que ainda inundam as redes sociais, com destaque para o facebook, em nenhum momento tem como alcance a problematização do papel por ela desempenhada com vista a garantir o seu próprio bem estar. Digo isso porque no nosso meio há músicos que quando ainda estão em activo, quase todos finais de semana são chamados para actuar em eventos e de lá saem com um bom cachê.
Entretanto, poucos músicos fazem algo visível de maneira que assim que a carreira terminar, consigam viver sem ter que passar pela condição da marginalização. Como consequência, quando ficam doentes, como se de cidadãos pacatos fossem são internados nos hospitais públicos, isto é, em locais cujas deficiências são por nós sobejamente conhecidas. 
Face a esta triste realidade, o meu comentário é o seguinte: é necessário que as entidades governamentais criem ou intensifiquem estratégias com vista a protecção social dos artistas. Refiro-me à estratégias que visam regular a vida do artista pois não se justifica que terminada a carreira, sob pretexto de o artista ter levado o nome de Moçambique ao além fronteira, apareça a reclamar do tipo está sendo marginalizado pelo governo do dia.
De salientar que no tempo em que o artista ainda está em activo, factura milhões e milhões nos espectáculos semanais e no dia seguinte publica fotos nas redes sociais com um novo carro, casa, etc e quando a carreira e a fama terminam, vira um autêntico paupérrimo. A questão que se coloca é: O que este “artista” fez ao longo da sua carreira com vista a garantir o seu próprio bem estar? Será que não sabia que a fama e o dinheiro não são coisas naturais mas sim passageiras?
Por exemplo, na Alemanha o governo intervém de forma rígida na vida dos jogadores estrangeiros. Do valor mensal que se recebe, corta-se uma percentagem e é canalizada ao INSS do seu respectivo país de forma que assim que a carreira terminar, o mesmo tenha onde enxugar as lágrimas.
Portanto, já é altura certa para o Estado moçambicano intervir de forma directa na protecção social dos artistas, e é também altura certa para o artista moçambicano começar a despertar do sono profundo, sobretudo no ponto do pós-carreira. Chega de ouvir-se lamentações de alguém que em algum momento da sua vida ostentava uma saúde financeira que nada espelha a realidade dos moçambicanos.

Um tesouro chamado Livro


Sentir-me-ia mal se passassem as 24 horas do dia de hoje (23 de Abril) sem nada dizer a respeito deste objecto de arte tão emblemático denominado livro. O livro, quer  ficcional quer científico, possui um sublime valor, pois é graças a ele que se molda a personalidade do Homem nas suas variadas dimensões.
À semelhança de outros objectos de arte, o livro atrai e une pessoas de diferentes cores e classes sociais. Por meio do livro, o Homem aprendi a ler e a escrever.

O livro é um fiel e omnipresente amigo do Homem. Equipara-se a Deus que está sempre presente, independentemente do tempo e espaço que é ocupado pela massa corpórea humana. Seja de manhã, à tarde, à noite e até de madrugada, o livro está sempre disponível em algum lugar e pronto para ser devorado por qualquer sujeito que ouse aproximar-se-lhe.
O livro é também um objecto muito bondoso, pois não se recusa e nem escolhe as amizades. Dada a sua bondade, o livro adapta-se aos diferentes comportamentos do ser humano.
Para quem ainda não estabeleceu um relacionamento com este objecto de arte, que o faça hoje e agora. Aos que já são amigos, a cada hora, minuto e segundo que renovem a relação que os une, seja de amizade, amantismo, casamento, etc. E para os que, por algum motivo, se tinham divorciado dele, por favor, reconciliem-se. Façam as pazes, mesmo que custe a vida inteira.
Portanto, em todo os quadrantes do mundo, existem indivíduos que, actualmente, são referências no domínio político, económico, social e cultural, visto que no passado usaram do livro e da leitura como um estilo de vida. Alguns deles o fizeram num período cuja circulação era escassa e limitada, mas nem com isso se deixaram vencer.
Nos dias que correm, mesmo com falta de argumentos convincentes, há quem defenda que em Moçambique há poucos leitores! Será!? Se é que sim, o que estará a substituir este objecto tão genuíno, duradoiro e "imutável" chamado livro??? Bem hajam o livro assim como os seus leitores!




segunda-feira, 7 de agosto de 2017

NÃO HÁ POESIA SEM VERSIFICAÇÃO


Foi precisamente a 16 de Novembro de 1999 que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) instituiu o 21 de Março como dia mundial da poesia com o propósito de celebrar a diversidade do diálogo, livre circulação de ideias e inovação artística através do poder palavra.
No âmbito desta efeméride, Osvaldo das Neves, docente de literatura na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane concedeu ao Jornal o Povo uma entrevista na qual procurou-se abordar sobre os elementos fundamentais para a composição de um texto poético. Ao longo da entrevista, embora com profundas reticências, o entrevistado teceu alguns comentários acerca da tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique.

Osvaldo das Neves, para além de ser docente universitário é também membro de associação literária OLEPA (Nampula) e tem publicada uma obra intitulada a Vingança de Jesus Cristo e é co-autor da obra Literatura Moçambicana: Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate lançada em Outubro de 2015.

1. Será a versificação o elemento caracterizador da poesia,   como muito se apregoa?
Sim. A versificação é e sempre será o elemento caracterizador da poesia, pois não há poesia sem versificação. Ora, há escritores como Eduardo White que por uma razão qualquer compõem textos poéticos que aparentemente não estão amontoados em versos, daí que a sua designação é prosa-poética. Porém, nesses textos é possível constatar-se o cumprimento de algumas regras da versificação como a rima, metro, som, conectores e harmonia. Repito, não há poesia sem versificação.
2. Que elementos a ter em conta na interpretação de um texto ou obra poética?
Na interpretação de um texto literário, seja poesia, romance, conto é necessário a observância da estrutura textual, refiro-me, basicamente, a selecção e combinação de palavras que dão sentido a um determinado verso. Ao interpretar-se um texto poético deve procurar-se saber o porquê da presença de uma palavra no primeiro verso e não no segundo, por exemplo.
Por outro lado, é preciso ter-se em conta o seu estilo, recurso de linguagem e o afloramento das palavras que devem ser utilizadas na composição de um texto literário, pois a literatura não é o que se diz mas sim é como se diz. O outro elemento importante é a combinação do tom rítmico ao tema a ser abordado, isto é, se eu pretendo expressar um sentimento de amargura é claro que não vou usar o mesmo tom com que havia de recorrer para exprimir sentimento de alegria, ainda eu seja acusado de ser um clássico literário (risos)
Meus caros, o ofício da poesia é um trabalho de laboratório, por isso, exige-se algum conhecimento e o domínio de outros elementos como ideologia, religião, código moral, social e outras áreas de saber.

3. Em Moçambique, tem sido comum a premiação de obras literárias de poesia. Como docente, de que maneira é feita a avaliação de um texto ou obra poética, num concurso literário, tendo em conta a componente da subjectividade do poeta e, talvez, do avaliador?
Eu penso que em todos os concursos literários há um conjunto de regras que são previamente estabelecidas para servirem do guião da avaliação das obras concorrentes. Uma delas, na minha opinião, é a criação artística. Por meio da criação artística o ser humano expressa a sua liberdade. O Homem, enquanto artista é totalmente livre, se assemelha à Deus que simplesmente cria coisas que somente ele deseja.
Avaliar uma obra de arte constitui um dilema pois a maior parte de críticos literários nunca produziu um objecto de arte, logo, avalia algo que nem sabe fazer, algo que ignore. No entanto, requere-se uma maior objectividade, rigor, bom senso, sobretudo bom carácter por parte do avaliador. O membro do júri deve ser um sujeito desligado de vícios comuns que caracterizam o nosso mundo, exemplo a corrupção, favoritismo, amiguismo.
Portanto, afirmo que não há um elemento fixo e taxativo que identifique uma obra como sendo a melhor que a outra, razão pela qual tem sido frequente e constante o questionamento sobre a qualidade das obras que vencem os nossos concursos literários.

4- Durante um certo período da nossa literatura, houve o que se designou por poesia de combate. Há vozes que consideram que estes textos são desprovidos de valores estéticos e, por isso, não passam de panfletos contra o sistema colonial. Que comentário gostaria de fazer acerca deste fenómeno?
A poesia de combate é um tipo de manifestação literária que teve o seu tempo e mérito. Naquela altura, Moçambique estava carente daquele tipo de literatura e o facto de não possuir valor estético segundo tais vozes não quer dizer que não é literatura. A estética ou o belo é uma visão particular das coisas, por isso, sempre foi relativa e condicionada pelo tempo e espaço.
Para mim, a poesia de combate tem algum valor estético, entretanto, pode não se adequar aos tempos de hoje. O facto de não corresponder ao tempo em que vivemos não anula a sua existência. De modo algum ela deve ser menosprezada ou esquecida. Ela deve ser estudada e investigada pois influenciou muitos escritores moçambicanos, inclusive aqueles que hoje a critica.

5- Nos últimos tempos, regista-se uma maior publicação de obras de poesias. Ora, qual, na sua opinião, é a tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique?
Quando nós falamos acerca da poesia muitas vezes pensamos em o que está escrito, esquecemo-nos que há também poesia oral, aquela que é frequentemente feita no campo. A poesia é um fenómeno universal, todo homem no seu contexto espacial e temporal tem as suas formas de fazer poesia. Meus caros, me é difícil dizer qual é a tendência da poesia que actualmente é feita em Moçambique pois a poesia moçambicana é vasta e complexa.
Ora, se tivermos que falar acerca da poesia que é composta por versos e em forma de escrita posso afirmar que ela manifesta alguma qualidade, diferentemente da prosa. A nossa prosa não consegue comunicar. Nos últimos tempos, tem sido difícil encontrar um romance ou conto com unicidade temática e rítmica bem estruturada. É muito mais raro ainda encontrar uma prosa que do princípio ao fim não fadiga. Por exemplo, quando lemos a poesia de Craveirinha, nós sentimos na pele que ali viveu um poeta, o mesmo já não acontece com os nossos prosadores. (In)felizmente, Moçambique ainda continua ser pátria dos poetas.
Como docente de literatura, por que é que em Mocambique há poucos críticos literários e, em particular a, da poesia?
Meus caros, a crítica literária é uma actividade reservada à pouca gente, somente os escolhidos. Eu não conheço alguma época histórica ou parte do mundo em que já houve críticos literários em quantidade desejada. Ora vejamos, da Grécia antiga temos apenas a figura de Aristóteles, da Roma antiga Horácio, da idade média Quintiliano.
A poesia é relativamente simples na sua composição e leitura, entretanto, ela é árdua na sua análise. A poesia é profunda e trabalhosa por isso exige alguma maturidade, alma humana e do espírito, algo invisível e imaterial daí que poucos críticos literários se dedicam à ela.



sábado, 5 de agosto de 2017

“SER ESTUDANTE MAIS DO QUE IR À UNIVERSIDADE CUMPRIR COM O PLANO CURRICULAR DO CURSO ESCOLHIDO E CONSUMIR AS SUAS TEORIAS’’

No passado dia 17 de Novembro, a comunidade académica celebrou o dia internacional dos estudantes universitários. A história reza que foi precisamente a 17 de Novembro de 1939 que um grupo de estudantes da antiga Checoslováquia lutou heroicamente contra as tropas nazis que atentavam contra a liberdade do povo deste país. As universidades foram fechadas na madrugada dessa data, as forças nazis invadiram a sede da Federação Central de Estudantes Checoslovacos matando dirigentes e levando centenas de estudantes para campos de concentração.

O Dia Internacional dos Estudantes foi criado em Londres em 1941, pelo Conselho Internacional de Estudantes (a actual União Internacional de Estudantes), com delegados de 26 países. Este dia é aproveitado para promover encontros entre estudantes de diferentes nacionalidades e para enaltecer a importância dos estudos e dos estudantes na construção da sociedade. Neste contexto, o dia 17 de Novembro tornou-se um símbolo, que inspirou acções de estudantes de todo o mundo, representando um dia de solidariedade e luta contra o fascismo, pela liberdade, a democracia, o progresso social e a paz.

No âmbito desta efeméride, o Jornal o Povo, em forma de entrevista, colheu o sentimento do Meque Samboco, estudante universitário da Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Trata-se de um jovem sonhador, poeta e estudante do curso de Psicologia na Vertente de Psicologia Escolar e de Necessidades Educativas Especiais, na Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Actualmente é presidente do Núcleo dos Estudantes da Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Em seus tempos livres escreve e declama poesia em vários eventos.

(CM) Referenciou que era estudante do curso de psicologia, que lugar a psicologia ocupa na sociedade moçambicana?
(MS) Primeiro gostava de referir que, a psicologia é uma ciência que através de métodos e técnicas científicas procura compreender, explicar, interpretar e prever o comportamento humano e os seus processos mentais. É uma ciência complexa e emergente, pouco conhecida e nalgumas vezes muito confundida com a psiquiatria, que é um outro ramo do saber científico mais alargado que a Psicologia. No entanto, esta ciência já ocupa um lugar na sociedade moçambicana, falo em todas as vertentes seja comunitária, organizacional, escolar, clínica, entre outras áreas da psicologia. Actualmente é possível destacar a pertinência de psicólogos escolares e de Necessidades Educativas Especiais no contexto Escolar, por exemplo, um profissional de psicologia auxilia os outros profissionais da área escolar no desenho de estratégias de métodos de ensino e aprendizagem para alunos com dificuldades de aprendizagem, ajustamento de currículos para incluir alunos com vários tipos de deficiências e que muitas das vezes são excluídos ou até mesmo rotulados como sendo “os incapazes”. Também ajuda no diagnóstico de alguns problemas emocionais, aspectos de fóruns psicológico, sociais e familiares que podem influenciar no sucesso e insucesso escolar dos alunos. Contudo, estes alunos supracitados apenas precisam de um auxílio durante a sua aprendizagem, pois cada um tem o seu ritmo de aprendizagem e sus formas de aprender. Neste sentido, já se pode ver, ouvir e perceber estas questões discutidas e reflectidas em alguns fóruns de debates, o que nos deixa confortáveis de que esta ciência, pouco a pouco, já começa a ganhar mais espaço, reconhecimento e apreciação.

(CM) Ao nível da nossa sociedade, ainda há corrente de opiniões segundo a qual a psicologia é um curso para os dementes (malucos). Como forma de eliminar essa percepção, o que lhe apraz a dizer?

(MS) Embora ainda não tenha autonomia científica para responder a sua questão, mas não me simpatizo muito com esta expressão “maluco”, este termo conduz-nos à atitudes pejorativas. Estes são apenas indivíduos que devida a uma lesão ou disfuncionamento em uma das partes do cérebro, já não consegue se ajustar as suas e as exigências do meio, podendo em algum momento restaurar o seu funcionamento, com ajuda de profissionais da área de saúde mental. Bom, eu também fui vítima desta percepção errónea quando fui admitido na UEM. Os meus amigos e conhecidos riram-se de mim dizendo que ia à Maputo estudar para cuidar de “malucos”. Fiquei com receio, assustado e inseguro sobre o curso, porém algo curioso escorria sobre os meus pensamentos e arrastava-me à crença de que não era verdade e, a vontade de estudar a psicologia acresceu ainda mais. Dizer que estes são dois profissionais que trabalham com a mente humana, ajudando a abrandar o sofrimento de pessoas com graus variados de queixas e distúrbios ligados às emoções e sentimentos. O psiquiatra é um médico de fórum psicológico e o seu foco está na identificação e diagnóstico dos transtornos mentais para então propor um tratamento adequado em cada caso. Ele pode solicitar exames clínicos para ajudar no diagnóstico e receitar medicamentos, já o psicólogo, por outro lado, não pode receitar medicamentos, usando apenas técnicas e métodos psicoterapêuticos para ajudar o paciente no seu sofrimento psíquico. Contudo, não existe cursos de “malucos” e nem para “malucos”, são duas áreas da saúde mental que procuram ajudar pessoas que por algum momento perderam o contacto com a realidade e não conseguem se ajustar as normas sociais e vivem num sofrimento psíquico.

(CM) Para si, o que significa ser estudante universitário?
(MS) Uma pergunta muito simples, mas que pode arrecadar uma resposta complexa. Ser estudante é muito mais do que ir à Universidade cumprir com o plano curricular do curso escolhido e consumir teorias, mas sim é, saber aplicar e intervir na sociedade usando os conhecimentos aprendidos na academia e ajudar no desenvolvimento social e humano. Também acaba sendo um momento de construção de novas ideias, novas reflexões, novos paradigmas, teorias, novas formas de pensar, novas amizades, o respeito a diversidade de ideias, o espírito humanismo e o respeito pela diversidade cultural.

(CM) Na qualidade de ser estudante universitário, como tem sido o seu dia-a-dia?
(MAS

(CM) Uma das características da Universidade é a pesquisa. Poucos estudantes se dedicam a esta actividade. Na sua opinião, a que se deve a prevalência desse cenário? 
(MS) Eu também sempre me questionei acerca disso. Porém, às vezes sinto que há um pouco de medo por parte do estudante. Alguns chegam à pensar que investigação é coisa de outro mundo e que só pode ser feito por pessoas que já terminaram a licenciatura ou mestrado. Falo disto por experiência própria, quando ingressei na Faculdade, pensava que pesquisar não era para pessoas do meu nível, mas com leitura, informação e aulas práticas, fui me apercebendo que é possível investigar e publicar um trabalho com ajuda de pessoas mais experientes.



O ACTOR VIVE DE REIVENTAR-SE




  
O dia mundial do teatro é celebrado aos vinte e sete do mês de Março de cada ano. Esta data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura,  (UNESCO) em 1961 com vista a maior promoção do teatro. O teatro é a arte de expor sentimentos e emoções no palco diante de um determinado público.

A propósito desta efeméride, Maria Josefina Armando Massango, ou simplesmente Josefina Massango, actriz, docente, investigadora e directora do curso do teatro na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane falou ao Debate acerca do estilo, riscos e desafios do teatro em Moçambique.

Crescêncio Manhique (CM):
Que tipo de perfil é necessário para se ser um actor de referência?
Josefina Massango (JM):
Quão difícil é a pergunta (risos). No meu entender, não existe alguma receita única e exclusiva para alguém se tornar um actor de referência. Para se ser um bom artista, seja do teatro, dança, pintura, escrita é necessário que haja no indivíduo algum talento e dedicação.

No que concerne ao teatro, iria considerar 4 elementos fundamentais que indubitavelmente um actor deve possuir: rigor, humildade, disponibilidade e uma visão ampla sobre as coisas e o mundo que o rodeia. No entanto, um actor humilde estará sempre aberto para ouvir, acatar e gerir críticas, do contrário não. Um actor que não está disponível por mais que tenha alguma opinião sobre um determinado assunto não será capaz de sistematizá-la devido a sua indisponibilidade.
CM: O teatro é a arte de representar emoções e sentimentos quanto à uma determinada realidade. Olhando para os fenómenos que marcam o actual mundo contemporâneo qual tem sido o seu real papel o teatro?
JM: O teatro sendo a súmula da vida do ser humano, o seu papel não é de resolver problemas mas sim é de informar ao público e mostrar possíveis soluções quanto aos fenómenos que apoquentam a vida de cidadãos que fazem parte de uma determinada sociedade.

CM: Ao longo do tempo, o teatro foi conotado como sendo uma arte de fazer rir as pessoas. Que comentário se apraz tecer à respeito desta concepção?
JM: Huum, de facto muitas vezes o actor recorre a diversão para gozar da liberdade que tem em representar algo com maior naturalidade e sem nenhum preconceito, mas para além da comédia que enfatiza o riso, também existe o teatro informativo, dramático, tragédia. Neste sentido, a representação de uma peça em palco é que permite com que se tenha a ideia clara do tipo de teatro que o actor segue.

CM: No teatro moderno tem sido frequente, um actor desempenhar mais de um papel numa só peça. Que análise faz acerca desta realidade tendo em conta o elevado nível de concentração que é exigido no palco?
JM: Há várias razões que posso aqui evocar, por exemplo, a redução do tamanho de elenco, hospedagem, menos custos e logística. Desempenhar vários papéis no teatro como trabalho de bastidores e de palco numa só peça possibilita ao artista descobrir-se, a si mesmo, isto é, descobre o seu potencial e só assim é que pode sentir-se cada vez mais artista.

CM: Que razões estariam por detrás da escassez de dramaturgos no teatro moçambicano?
JM: Não há dúvida de que a maior parte dos actores moçambicanos não explora muito o estilo da dramaturgia. Em Moçambique, sempre existiu um estilo próprio de fazer teatro e que carece de ser estudado, analisado e bem sistematizado.
A Universidade Eduardo Mondlane, através da Escola de Comunicação e Artes, tem estado a formar estudantes em curso superior do teatro e num futuro breve passaremos a consumir o Made in Mozambique.

CM: Costuma se dizer que em qualquer profissão há riscos. Quais são os riscos da profissão do teatro em Moçambique?
JM: Fazer teatro em Moçambique é um risco (…) pois ainda não há entendimento real acerca dessa arte. O teatro mexe com as sensibilidades culturais, económicas, sociais e políticas e o actor dentro da sua liberdade deve passar ideias e informações e que numa condição normal dificilmente poder-se-ia efectuar.
Por outro lado, fazer teatro em Moçambique é um risco dado que o actor vive de reinventar a sua vida. Ele deve, constantemente, recriar-se, e ser escravo de si mesmo, isto é: do seu corpo, mente e ideias, razão pela qual que o trabalho do actor não o permite alcançar um patamar desejável.

CR: Que avaliação faz acerca do estágio actual do teatro moçambicano?
JM: Esta é uma questão muito complexa e ambígua, pois a avaliação pode cingir-se em vários aspectos, tais como: a aceitação, produção, escrita, infra-estruturas, nível de consumo e satisfação do público. Ora, vou me deter apenas num aspecto aqui elencado. Ao nível de produção, eu considero que a oferta ainda não satisfaz ao número de consumidores, se calhar é o facto de o teatro não ser uma actividade de massas. No entanto, se analisarmos o estilo do teatro que é frequentemente feito em Moçambique constataremos que tem sido o mesmo estilo, por sinal a comédia. A comédia é um estilo que facilmente atrai o público diferentemente dos outros géneros, pior porque no nosso país ainda não há uma política relativa à actividade cultural.


Mini biografia da entrevistada
Maria Josefina Armando Massango, seu nome artístico Josefina Massango nasceu a 28 de Fevereiro de 1972, Chicualacuala, Maputo. Em 1998 frequentou o curso de formação de actores na Universidade de Évora, Portugal e em 2007 licenciou-se em História na mesma universidade. Já em 2014 concluiu o seu primeiro mestrado em Relações Internacionais e Desenvolvimento no Instituto Superior de Relações Internacionais. Durante a década de 1990, participou em programas de teatro da Televisão de Moçambique e Radio-Televisão Portuguesa de África denominados Praça de Alegria, Programa de Sensibilização-Educação Cívica, Mão a Obra, Pai a força e Sentimentos. De 2006 para cá tem estado a actuar na Associação Cultural Casa Velha com destaque à peças: Pranto de Maria Parda, Comédia sem título, Sapataria perigosa. Actualmente, Josefina Massango é directora do curso do teatro, assistente universitária e investigadora do projecto do saber popular nas artes ao conhecimento crítico da academia na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane.


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO É UMA SIMPLIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA”

No passado dia 5 de Maio comemorou-se o Dia da Língua Portuguesa e Cultura da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Esta data é comemorada numa altura em que se debatem questões ligadas ao novo acordo ortográfico, ainda não ratificado por Moçambique e Angola.
Alusivo à data, o debate entrevistou Marta Sitoe que é formada em ensino de Português pela Universidade Eduardo Mondlane. É Docente de Português e é  membro da equipa de investigadores da Cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira da UEM.
Como docente da língua portuguesa, partilhou, em forma da entrevista, o seu sentimento em relação a necessidade e ou importância da adesão ao novo acordo ortográfico.

O Novo Acordo Ortográfico (acordo ortográfico de 1990) da Língua Portuguesa tem gerado muita polémica entre os seus opositores e os seus defensores. Como docente de Português de que maneira olha para o novo acordo ortográfico?
R: Uma vez que introduz esta questão fazendo referência a opositores e defensores do novo ortográfico, antes de dar a devida resposta, vou dizer de que lado eu me encontro nessa polémica. Embora eu considere legítimo que o acordo seja questionado nomeadamente no que diz respeito à sua pertinência, nada tenho contra a sua implementação.
O acordo ortográfico de 1990, não vai interferir no conhecimento básico que temos das palavras – o conhecimento do seu significado indissociável da sua forma fónica. Por exemplo, o facto de passarmos a escrever ótimocontraindicação e janeiro em vez de óptimocontra-indicaçãoJaneiro não terá nenhuma interferência na forma como pronunciamos essas palavras nem vai mudar o seu significado. Esse conhecimento, que o temos independentemente de sabermos escrever, não será afectado pelo novo acordo ortográfico. Eu, enquanto professora de Português, vejo este acordo como uma simplificação da ortografia da língua portuguesa, o que, por sua vez, poderá facilitar o ensino e a aprendizagem da escrita e da leitura. A regra segundo a qual “o que não se pronuncia não se escreve”, que envolve as consoantes mudas, é um bom exemplo disso.


Que implicações o Novo Acordo Ortográfico acarretará ao nosso país, cujos dados estatísticos demonstram que somente 15% da população tem o Português como língua materna?
É difícil estabelecer uma relação entre a situação de aquisição do Português em Moçambique e o novo acordo ortográfico. Devemos não perder de vista que ortografia – escrita correcta das palavras de uma língua – é uma convenção cultural e política para a comunicação verbal escrita. A escrita é geralmente aprendida através da instrução formal por todos os usuários da língua independentemente do contexto em que a adquiriram. A partir daqui, pode-se depreender que, independentemente de o sistema ortográfico ser resultante do acordo de 1945 ou do de 1990, a sua aprendizagem será efectuada na escola quer por aqueles para quem o Português é língua materna quer por aqueles para quem é língua segunda. Com isto quero dizer que, o facto de apenas 15% da população ter o Português como língua materna, não constitui problema para a implementação do novo acordo ortográfico.

Em termos concretos, que vantagens o Novo Acordo Ortográfico trará para o nosso país?

No âmbito do novo acordo ortográfico, foi criado o vocabulário ortográfico da língua portuguesa (VOP) para apoiar a sua implementação. Esta ferramenta fornece informações sobre as características formais das palavras do português, tais como a ortografia, a flexão e as relações morfológicas entre palavras. Ainda que tenha sido desenvolvido tomando como referência as palavras do português europeu, também inclui palavras de outras variedades do português, entre as quais, da variedade moçambicana. Se tomarmos em conta que em Moçambique há uma situação de contacto de línguas (Português e línguas bantu), a partir da qual há integração de elementos linguísticos de uma língua noutra, podemos considerar que este acordo trará algumas vantagens para Moçambique no diz respeito aos empréstimos lexicais das línguas bantu no Português. Uma vez que a ortografia desses empréstimos é estranha ao Português, eles têm de passar por um processo de adaptação ortográfica para que efectivamente figurem no VOP como palavras da língua portuguesa. A principal vantagem disso, a meu ver, reside no facto de esses empréstimos, muitas vezes usados para designar realidades culturais típicas, passarem a adquirir um estatuto “global”, ou seja, tendo a sua ortografia adaptada à língua portuguesa, eles passam a integrar o acervo lexical desta língua, podendo ser escritas e lidas sem muitas dificuldades por todos os seus usuários.

Em todo o período histórico, a língua portuguesa conheceu algumas transformações que resultaram do seu contacto com línguas faladas em alguns países da CPLP. O Novo Acordo Ortográfico não servirá de retrocesso comparativamente a outras línguas como o Inglês e o Francês, tendo em conta que o Inglês, em particular, tem muitas pronúncias, mas não são poucos os estudiosos que consideram que não precisa, mesmo assim, unidade ortográfica? 

R: Acho que um acordo ortográfico faz-se necessário onde existe uma divergência ortográfica entre comunidades que tem uma língua oficial em comum. No caso, da língua portuguesa, o facto de existirem duas normas ortográficas oficiais divergentes, uma no Brasil e outra nos restantes países de língua oficial portuguesa, suscitou a necessidade da criação de uma ortografia unificada para esta língua. Com isto, o que pretendo dizer é que não é a existência de pronúncias diferentes que conduz a negociações sobre a unificação ortográfica. Aliás, o facto de o novo acordo ortográfico ter privilegiado o critério fonético (pronúncia) tornou diferentes palavras que eram escritas da mesma maneira no Brasil e em Portugal como por exemplo, decepcionar. Obedecendo à regra “o que não se pronuncia não se escreve” a consoante p deixa de ser escrita em Portugal, mas mantém-se no Brasil.


A partir da sua resposta, conseguimos perceber que, no novo acordo ortográfico ainda persistem divergências ortográficas, podemos, por isso, considerar este acordo um fracasso?
O acordo ortográfico de 1990 foi aprovado com a finalidade de unificar a ortografia do Português e um esforço foi feito no sentido de se alcançar este objectivo. O facto de existirem casos de dupla grafia, a meu ver não constitui um fracasso, mas uma lacuna deste acordo, pois o que aconteceu é que o objectivo não foi cabalmente alcançado.


Há correntes de opiniões segundo as quais o Brasil estará a fomentar a implementação do novo acordo ortográfico da língua portuguesa visto que nesse processo de ratificação tem uma ligeira vantagem comparativamente a outros países. Que comentário lhe apraz tecer a volta dessa percepção.
R: afirmações dessa natureza são feitas pelos opositores do novo acordo ortográfico que alegam que a sua adopção visa facilitar a penetração das editoras brasileiras nos países africanos de língua portuguesa bem como que o mesmo conduzirá, ao “abrasileiramento” da escrita da vertente portuguesa. Bem, eu vou manter-me neutra em relação a estas alegações. Em todo o caso, tratando-se de um acordo, ambas as partes tiveram de ceder, abolindo certos aspectos da grafia que vinham usando. Entretanto, se quantificarmos as modificações feitas pelos dois países, veremos que há uma desproporção numérica. São modificadas 1,6% das palavras de português europeu e 0,5% das palavras do português do Brasil. Acho que estes números comunicam alguma coisa.

Breve historial do acordo ortográfico da língua portuguesa
O Acordo Ortográfico foi assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990 e deveria ter entrado em vigor em 1994, mas exigia que todos os países ratificassem o documento até essa data. Desde então, vieram dois Protocolos Modificativos do Acordo: o primeiro, de 1998, apenas retirou a data inicial de entrada em vigor, que já havia expirado. O segundo protocolo, assinado em 2004, passou a aceitar como suficiente a ratificação por três países para o texto vigorar, além de incluir Timor-Leste no Acordo Ortográfico. Ambos os protocolos foram aprovados por todos os países lusófonos.

O Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe foram os primeiros países a ratificarem o documento de união da ortografia da língua portuguesa escrita. Portugal ratificou-o em 2008; Guiné-Bissau e Timor-Leste ratificaram-no em 2009. Angola e Moçambique são os países da CPLP que ainda não ratificaram a adesão ao Acordo, que já vigora legalmente em Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.



A CENOGRAFIA É APLICADA EM ÁREAS COMO TEATRO, DANÇA, CINEMA, CIRCO, ÓPERA, CONCERTOS DE MÚSICA, TELENOVELAS, PUBLICIDADE, ETC’’

Cenografia é a arte de projectar e executar a instalação de cenários para espectáculos teatrais ou cinematográficos. Ela é composta pelos elementos visuais que fazem parte da encenação, como as decorações, os acessórios (adereços) e a iluminação. Por meio dela, identifica-se a personalidade dos personagens que estão em cena.
Um dos nomes sonantes da cenografia em Moçambique é de Sara Machado, que muito tem actuado nessa área com o destaque para a dança contemporânea Kinani. Sara Machado, partilhou ao debate o seu percurso artístico que resulta da formação em Design de Cena pela Escola Superior de Teatro e Cinema entre outras formações adicionais.

CM: A apresentação do seu primeiro trabalho de cenografia foi em 1997. Volvidos 19 anos, fale-nos do seu dia-a-dia?
SM: O meu dia-a-dia tem sido muito variado porque a profissão de cenógrafa é muito diversificada nos desafios e nas circunstâncias em que se processa, alimentando assim uma vida bastante interessante e contrária à rotina monótona da maioria das profissões.

CM: Muitos trabalhos de cenografia da Sara Machado resultam da leitura e interpretação de textos literários. Como tem sido este processo?
SM: Normalmente qualquer encenador, dramaturgo ou cenógrafo iniciam o seu processo de trabalho com a leitura e interpretação de um texto. Enquanto cenógrafa, depois da primeira leitura em que me surgem imediatamente imagens (como penso que acontece a todos os leitores mas os cenógrafos já estão mais treinados para passar das imagens à prática) costumo também fazer pesquisa sobre o tema, época, conteúdos, personagens e tudo o mais que me seja sugerido na leitura. Quando reúno essa documentação, habitualmente já me começaram a surgir ideias. Às vezes surgem até ideias a mais... Depois há que confrontá-las, fazer escolhas, perceber se são adaptáveis aos enquadramentos materiais da produção, limpá-las de elementos desnecessários e chegar à ideia que apresentamos ao grupo de trabalho.

CM: Sara Machado tem criado cenografias e figurinos de muitas peças teatrais. Já em Moçambique só o fez 3 vezes no teatro, por exemplo para o espectáculo Identidades de Jens Vilela Neumann sobre os magermanes. Em termos concretos qual é a função de um figurino no palco?
SM: Em teatro é sempre difícil definir conceitos fechados dessa forma porque as exigências de uma peça ou de um texto são sempre totalmente diferentes das outras. Basicamente, a função de um figurino é, de alguma forma, caracterizar o personagem, defini-lo aos olhos do espectador mas pode também ser muito importante na revelação de dados que não estão explícitos no texto, pode associar-se simbólica metaforicamente a ideias que nos ajudam a uma outra visão desse personagem e da sua realidade.

CM Em 1999 Sara Machado preparou figurinos para a peça Mein Kampf. A acção desenrolada nessa peça estará relacionada com a história de Adolfo Hitler?
SM: Sim, foi um dos meus primeiros trabalhos profissionais ainda no CENDREV, em Évora. O texto de Hitler foi adaptado por Paulo Alves Pereira, moçambicano e que viveu muitos anos em Berlim Leste. A peça era uma comédia que gozava Hitler, isto é, falava dele como uma pessoa perturbada e psicótica, reduzindo-o a uma pessoa pequenina, mesquinha e cheia de frustrações por resolver.

CR: Na produção do Festival de Dança Contemporânea KINANI consta o nome da Sara Machado como uma das produtoras de um dos eventos. Fale-nos da sua integração na equipa desse Festival.
SM: Há muitos anos, numas férias passadas cá dei um seminário sobre Adaptação de Espaços para Espectáculos e aí conheci o Quito Tembe que o frequentou. Quando eu vim viver para cá há 4 anos reencontrei-o e ele disse-me que era Produtor do KINANI, e que eu era a pessoa ideal para o ajudar a produzir um novo evento para o Festival, a realizar em espaços abandonados. Esse evento é o 4º Andar realizado pela primeira vez em 2013 no edifício em suspensão construtiva na Av. Olof Palm, frente ao Ministério do Interior. O evento teve muito sucesso e voltámos a realizá-lo outra vez no ano passado, na última edição do Festival. Foi através do KINANI que conheci muitos bailarinos e coreógrafos que começaram a convidar-me para trabalhar com eles em projectos de dança como figurinista e/ou cenógrafa. Tem sido uma experiência muito diferente e agradável e que me fez abrir novas perspectivas de aprendizagem, longe da área que sempre me foi mais familiar: o teatro. A dança é mais livre de condicionamentos, tem uma linguagem mais abstracta, menos realística.

CM: Uma especialista de cenografia teria conhecimento profundo relativo à dança?
SM: Antes da minha vinda para Moçambique eu nunca tinha trabalhado com dança. Mas gosto e sempre gostei de desafios novos e este está a dar-me muito prazer. Porém, a cenografia pode ser aplicada em variadíssimas áreas como teatro, dança, cinema, circo, ópera, concertos de música, telenovelas, publicidade, etc.

CM: A terminar, qual é o contributo que tem estado a dar relativamente aos grupos emergentes do teatro?
CM: Tenho estado a trabalhar com os alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, onde sou docente. Alguns alunos por vezes pedem-me a ajuda para projectos externos à escola, mas só posso tentar ajuda-los a pensar e dar ideias pois eles passam muitas dificuldades para os concretizar. Cenografia e figurinos, dependendo do projecto específico, podem não necessitar de fortunas para serem realizados mas sem nenhum dinheiro é muito difícil fazer seja o que for... Sinto e vejo que há muito potencial e gente com muita vontade, interesse e curiosidade em aprender e fazer melhor mas não há quem os apoie financeiramente e que lhes dê condições (como espaços de actuação).

Mini- Biografia da Sara Machado
Licenciada em Design de Cena pela Escola Superior de Teatro e Cinema (2008). Curso de Design Gráfico e Criação por Computador promovido pelo FUNDETEC/RUMOS (1992/93). Leccionou Oficina de Cenografia incluída no Curso de Estudos Teatrais da Universidade de Évora.
Lecciona Cenografia e Figurinos actualmente no Curso de Teatro da Escola de Comunicação e Artes da UEM, Maputo. Participou na elaboração de cadernos de formação de competências para profissionais do espectáculo no Projecto FIRCTE, apoiado pelo Programa Leonardo Da Vinci, a nível europeu.
Trabalhou como cenógrafa/figurinista free-lance com muitas diferentes companhias e encenadores de teatro, por explº: Miira Sippola (Myllitheateri, Finlândia), Paulo Matos (F. C. Gulbenkian), João Mota (Teatro da Comuna), Fernando Gomes (Teatro da Trindade), Mário Barradas (Cendrev), Jean-Pierre Sarrazac (Cendrev), Andreas Poppe (Baal 17), João Lagarto (Teatro dos Aloes), José Mora Ramos (Teatro do Tejo), Cláudio Hochmann (Teatro daTrindade), entre muitos outros.
Actualmente, em Maputo, trabalha essencialmente como cenógrafa e figurinista para dança contemporânea tendo já realizado 6 espectáculos desde 2013 e produzido o evento 4º Andar por duas vezes, integrado no Festival de Dança Contemporânea KINANI, promovido pela Iodine Produções.