sábado, 5 de agosto de 2017

O ACTOR VIVE DE REIVENTAR-SE




  
O dia mundial do teatro é celebrado aos vinte e sete do mês de Março de cada ano. Esta data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura,  (UNESCO) em 1961 com vista a maior promoção do teatro. O teatro é a arte de expor sentimentos e emoções no palco diante de um determinado público.

A propósito desta efeméride, Maria Josefina Armando Massango, ou simplesmente Josefina Massango, actriz, docente, investigadora e directora do curso do teatro na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane falou ao Debate acerca do estilo, riscos e desafios do teatro em Moçambique.

Crescêncio Manhique (CM):
Que tipo de perfil é necessário para se ser um actor de referência?
Josefina Massango (JM):
Quão difícil é a pergunta (risos). No meu entender, não existe alguma receita única e exclusiva para alguém se tornar um actor de referência. Para se ser um bom artista, seja do teatro, dança, pintura, escrita é necessário que haja no indivíduo algum talento e dedicação.

No que concerne ao teatro, iria considerar 4 elementos fundamentais que indubitavelmente um actor deve possuir: rigor, humildade, disponibilidade e uma visão ampla sobre as coisas e o mundo que o rodeia. No entanto, um actor humilde estará sempre aberto para ouvir, acatar e gerir críticas, do contrário não. Um actor que não está disponível por mais que tenha alguma opinião sobre um determinado assunto não será capaz de sistematizá-la devido a sua indisponibilidade.
CM: O teatro é a arte de representar emoções e sentimentos quanto à uma determinada realidade. Olhando para os fenómenos que marcam o actual mundo contemporâneo qual tem sido o seu real papel o teatro?
JM: O teatro sendo a súmula da vida do ser humano, o seu papel não é de resolver problemas mas sim é de informar ao público e mostrar possíveis soluções quanto aos fenómenos que apoquentam a vida de cidadãos que fazem parte de uma determinada sociedade.

CM: Ao longo do tempo, o teatro foi conotado como sendo uma arte de fazer rir as pessoas. Que comentário se apraz tecer à respeito desta concepção?
JM: Huum, de facto muitas vezes o actor recorre a diversão para gozar da liberdade que tem em representar algo com maior naturalidade e sem nenhum preconceito, mas para além da comédia que enfatiza o riso, também existe o teatro informativo, dramático, tragédia. Neste sentido, a representação de uma peça em palco é que permite com que se tenha a ideia clara do tipo de teatro que o actor segue.

CM: No teatro moderno tem sido frequente, um actor desempenhar mais de um papel numa só peça. Que análise faz acerca desta realidade tendo em conta o elevado nível de concentração que é exigido no palco?
JM: Há várias razões que posso aqui evocar, por exemplo, a redução do tamanho de elenco, hospedagem, menos custos e logística. Desempenhar vários papéis no teatro como trabalho de bastidores e de palco numa só peça possibilita ao artista descobrir-se, a si mesmo, isto é, descobre o seu potencial e só assim é que pode sentir-se cada vez mais artista.

CM: Que razões estariam por detrás da escassez de dramaturgos no teatro moçambicano?
JM: Não há dúvida de que a maior parte dos actores moçambicanos não explora muito o estilo da dramaturgia. Em Moçambique, sempre existiu um estilo próprio de fazer teatro e que carece de ser estudado, analisado e bem sistematizado.
A Universidade Eduardo Mondlane, através da Escola de Comunicação e Artes, tem estado a formar estudantes em curso superior do teatro e num futuro breve passaremos a consumir o Made in Mozambique.

CM: Costuma se dizer que em qualquer profissão há riscos. Quais são os riscos da profissão do teatro em Moçambique?
JM: Fazer teatro em Moçambique é um risco (…) pois ainda não há entendimento real acerca dessa arte. O teatro mexe com as sensibilidades culturais, económicas, sociais e políticas e o actor dentro da sua liberdade deve passar ideias e informações e que numa condição normal dificilmente poder-se-ia efectuar.
Por outro lado, fazer teatro em Moçambique é um risco dado que o actor vive de reinventar a sua vida. Ele deve, constantemente, recriar-se, e ser escravo de si mesmo, isto é: do seu corpo, mente e ideias, razão pela qual que o trabalho do actor não o permite alcançar um patamar desejável.

CR: Que avaliação faz acerca do estágio actual do teatro moçambicano?
JM: Esta é uma questão muito complexa e ambígua, pois a avaliação pode cingir-se em vários aspectos, tais como: a aceitação, produção, escrita, infra-estruturas, nível de consumo e satisfação do público. Ora, vou me deter apenas num aspecto aqui elencado. Ao nível de produção, eu considero que a oferta ainda não satisfaz ao número de consumidores, se calhar é o facto de o teatro não ser uma actividade de massas. No entanto, se analisarmos o estilo do teatro que é frequentemente feito em Moçambique constataremos que tem sido o mesmo estilo, por sinal a comédia. A comédia é um estilo que facilmente atrai o público diferentemente dos outros géneros, pior porque no nosso país ainda não há uma política relativa à actividade cultural.


Mini biografia da entrevistada
Maria Josefina Armando Massango, seu nome artístico Josefina Massango nasceu a 28 de Fevereiro de 1972, Chicualacuala, Maputo. Em 1998 frequentou o curso de formação de actores na Universidade de Évora, Portugal e em 2007 licenciou-se em História na mesma universidade. Já em 2014 concluiu o seu primeiro mestrado em Relações Internacionais e Desenvolvimento no Instituto Superior de Relações Internacionais. Durante a década de 1990, participou em programas de teatro da Televisão de Moçambique e Radio-Televisão Portuguesa de África denominados Praça de Alegria, Programa de Sensibilização-Educação Cívica, Mão a Obra, Pai a força e Sentimentos. De 2006 para cá tem estado a actuar na Associação Cultural Casa Velha com destaque à peças: Pranto de Maria Parda, Comédia sem título, Sapataria perigosa. Actualmente, Josefina Massango é directora do curso do teatro, assistente universitária e investigadora do projecto do saber popular nas artes ao conhecimento crítico da academia na Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane.


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