Após ter suportado o ardente sol que se fazia sentir na
manhã do dia 28.10.2015, na companhia de colegas e alguns amigos do bairro,
José abandonou a sombra da frondosa árvore da sua escola em direcção à casa.
Chegado à paragem, indivíduos de diferentes origens inundavam o local,
aguardando pelo transporte semi-colectivo que já demorava há algumas horas.
Nesse dia, a falta de transporte era tão notória que os movimentos literários
em alguns pontos desta pátria amada.
No entanto, a vinda do primeiro carro deu-se por voltas
das 6h e meia da tarde. Bem embalados, os dois mini buses reduziram drasticamente a velocidade.
O primeiro parou e não levou ninguém. O segundo parou e areou uma média de 4
passageiros mas, mesmo assim, continuava demasiado cheio.
Repentinamente, surgiu um outro mini bus que colocou na corrida toda a gente
que por ali se distraía com conversas alheias, incluindo os agentes da polícia.
Antes de as rodas pararem de girar, a multidão ia entrando pela janela de vidro
furado. Durante esse cenário, uma jovem mulata farejava os bolsos das calças do
transeunte que se encontrava à sua frente. Logo que as rodas terminaram de
girar, com voz rouca, o cobrador disse:
– Não vê que não estou a carregar?!
A multidão indignou-se e, imediatamente, alguns
passageiros mudaram de conversa. E uma senhora que já se encontrava junto à
porta da frente, em tom de vuvuzela,
perguntou ao motorista: – Meu filho, por que parou se não está para carregar?
O motorista, todo sério, como quem pretende dizer algo
útil, respondeu e disse:
– E daí!?
Assim foi satisfeita à curiosidade da senhora.
“Realmente, este país tem dono”, este foi o sentimento
partilhado por um ancião que acabava de assistir a mais um punhado de gente que
ia sendo escoltada de frente e de trás em carros de luxo.
“Esses são alguns daqueles moçambicanos que se escondem
dos outros moçambicanos”, lamentava a moça da blusa vermelha que também se
encontrava pendurada pelo mesmo motivo. “Sim, é essa gente que, no período da
campanha eleitoral, em uníssono, dizia-nos: ‘‘ votem no nosso partido… o
melhoramento e aumento do acesso ao transporte público é uma das nossas
prioridades e assim que lhes introduzimos ao poder, hoje finge que já não nos
conhece” acrescentou o José!
Naquela noite, a avenida da Praça da OMM foi
caracterizada por uma enorme escassez de transporte. Nem os vulgos my loves que por ali passavam conseguia aliviar a demanda da
população que tudo tinha feito para estar, em tempo útil, nos seus tectos.
Nos semblantes de alguns passageiros, a preocupação
quanto ao regresso à casa não parava de crescer e o José mostrava-se mais
preocupado equiparando-se a um recluso-inocente quando já tem em mão a ordem de
soltura pronta.
Para o alívio do desespero da maioria, um verde automóvel
que vinha de Compone para museu virou, tendo-se posicionado
logo à sua frente. Antes de o cobrador gritar aos ouvidos da multidão, todos
passageiros fizeram-se ao automóvel. Quando chegou a vez de José subir, o
cobrador, simplesmente disse:
– Brow, não vês que o carro já está full!?
- …!? Vou afinar-me, cobrador!
- Não brow, Há polícia por aí.
E no mesmo instante, o cobrador chamou uma moça que se
encontrava à 50 metros de distância do chapa.
– Maninha, maninha, que tal, não vais?
– Vou…
(– Leva!)
– Rápido, então!
– Abre a porta, man…
– Afinal é uma baybona, revelou o motorista.
Face à estranha atitude do cobrador, José revoltou-se por
completo. Por pouco, caíam as suas lágrimas. Segurou-se! Certamente lembrou-se
do trecho da música angolana: as lágrimas do homem nunca caem em vão!
Posto a isso, José recuou dois passos e poisou-se sobre
uma pedra angular. De, repente, ouviu um assobio do Fabião, amigo de infância.
Levantou-se e foi abraçá-lo, longamente e fraternamente. O Fabião, que de
Fabião nada tinha, retribuiu-o demoradamente.
A escassez de transporte fez com que conversassem sobre
um pouco de tudo e de tudo um pouco. Desde a situação político-militar do país,
à má prestação dos mambas nos jogos de qualificação ao Campeonato Africano das
Nações, Gabão 2017.
Instantaneamente, numa velocidade estrondosa apareceram
dois autocarros que vestiam as faixas de Museu-Magoanine. E José se despediu do
Fabião com intenção de ver a última parte do serviço noticioso. Novamente,
correu atrás de um deles, tendo alcançado o segundo.
Da praça da OMM à Imaculada levou apenas 17 minutos. Logo
que desceu, apressou-se. Porém, um outro amigo interpela-o e diz:
– E aí, man? Sumido! Qual é a cena?
– ‘Stou good, brow! São desencontros!
– Respondeu a um passo galopante.
Chegado à casa, arrombou o portão, pois a casa estava às
escuras. Em fracções de segundos, introduziu-se ao quintal e dirigiu-se ao
quarto. Respirou 3 vezes e descarregou o fardo de livros que trazia sobre as
costas. Momentaneamente, deitou-se na cama e enfiou os olhos ao calendário que
havia sido afixado numa das paredes.
Num olhar tenebroso, deu-se conta que a data daquele dia
lhe despertava alguma memória, embora silenciada. Francisco Cossa, um dos
heróis da pátria amada que encontrou a sua morte na tragédia de Xilongué, que
semeou muitas vidas humanas, incluindo adolescentes e crianças.
Antes do término do noticiário, José saiu do quarto e
passou pela cozinha para refrescar a garganta que se queixava pela sede e
dirigiu-se posteriormente para sala de visita e, cuidadosamente, acompanhou o
resto do noticiário.
Antes do intervalo, por sinal, o último da noite, o
apresentador rematou:
“Literatura Moçambicana – Da Ameaça do Esquecimento
à Urgência do Resgate”
Acompanhe o desenvolvimento desta e outras notícias
já a seguir aqui no primeiro canal da televisão de Moçambique.
Em pouco tempo, José encolheu os ombros, agrupou as
ancas, esticou as orelhas e mergulhou nas ondas do ecrã do televisor para
acompanhar à notícia e reportagem de destaque.
(…)
Boa noite e sejam bem-vindos à terceira parte do
telejornal.
“ Literatura
Moçambicana – Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate” é o título da mais recente obra de Albino
Macuácua, Lucílio Manjate e Osvaldo das Neves, lançada hoje em Maputo. Assim termina a presente edição do
telejornal referente aos vinte e oito dias do mês de Outubro de 2015!
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