terça-feira, 31 de maio de 2016

A LOUCURA DO FIM DO DIA




Após ter suportado o ardente sol que se fazia sentir na manhã do dia 28.10.2015, na companhia de colegas e alguns amigos do bairro, José abandonou a sombra da frondosa árvore da sua escola em direcção à casa. Chegado à paragem, indivíduos de diferentes origens inundavam o local, aguardando pelo transporte semi-colectivo que já demorava há algumas horas. Nesse dia, a falta de transporte era tão notória que os movimentos literários em alguns pontos desta pátria amada.
No entanto, a vinda do primeiro carro deu-se por voltas das 6h e meia da tarde. Bem embalados, os dois mini buses reduziram drasticamente a velocidade. O primeiro parou e não levou ninguém. O segundo parou e areou uma média de 4 passageiros mas, mesmo assim, continuava demasiado cheio.
Repentinamente, surgiu um outro mini bus que colocou na corrida toda a gente que por ali se distraía com conversas alheias, incluindo os agentes da polícia. Antes de as rodas pararem de girar, a multidão ia entrando pela janela de vidro furado. Durante esse cenário, uma jovem mulata farejava os bolsos das calças do transeunte que se encontrava à sua frente. Logo que as rodas terminaram de girar, com voz rouca, o cobrador disse:
– Não vê que não estou a carregar?!
A multidão indignou-se e, imediatamente, alguns passageiros mudaram de conversa. E uma senhora que já se encontrava junto à porta da frente, em tom de vuvuzela, perguntou ao motorista: – Meu filho, por que parou se não está para carregar?
O motorista, todo sério, como quem pretende dizer algo útil, respondeu e disse:
– E daí!?
Assim foi satisfeita à curiosidade da senhora.
“Realmente, este país tem dono”, este foi o sentimento partilhado por um ancião que acabava de assistir a mais um punhado de gente que ia sendo escoltada de frente e de trás em carros de luxo.
“Esses são alguns daqueles moçambicanos que se escondem dos outros moçambicanos”, lamentava a moça da blusa vermelha que também se encontrava pendurada pelo mesmo motivo. “Sim, é essa gente que, no período da campanha eleitoral, em uníssono, dizia-nos: ‘‘ votem no nosso partido… o melhoramento e aumento do acesso ao transporte público é uma das nossas prioridades e assim que lhes introduzimos ao poder, hoje finge que já não nos conhece” acrescentou o José!
Naquela noite, a avenida da Praça da OMM foi caracterizada por uma enorme escassez de transporte. Nem os vulgos my loves que por ali passavam conseguia aliviar a demanda da população que tudo tinha feito para estar, em tempo útil, nos seus tectos.
Nos semblantes de alguns passageiros, a preocupação quanto ao regresso à casa não parava de crescer e o José mostrava-se mais preocupado equiparando-se a um recluso-inocente quando já tem em mão a ordem de soltura pronta.
Para o alívio do desespero da maioria, um verde automóvel que vinha de Compone para museu virou, tendo-se posicionado logo à sua frente. Antes de o cobrador gritar aos ouvidos da multidão, todos passageiros fizeram-se ao automóvel. Quando chegou a vez de José subir, o cobrador, simplesmente disse:
– Brow, não vês que o carro já está full!?
- …!? Vou afinar-me, cobrador!
- Não brow, Há polícia por aí.
E no mesmo instante, o cobrador chamou uma moça que se encontrava à 50 metros de distância do chapa.
– Maninha, maninha, que tal, não vais?
– Vou…
(– Leva!)
– Rápido, então!
– Abre a porta, man…
– Afinal é uma baybona, revelou o motorista.
Face à estranha atitude do cobrador, José revoltou-se por completo. Por pouco, caíam as suas lágrimas. Segurou-se! Certamente lembrou-se do trecho da música angolana: as lágrimas do homem nunca caem em vão!
Posto a isso, José recuou dois passos e poisou-se sobre uma pedra angular. De, repente, ouviu um assobio do Fabião, amigo de infância. Levantou-se e foi abraçá-lo, longamente e fraternamente. O Fabião, que de Fabião nada tinha, retribuiu-o demoradamente.
A escassez de transporte fez com que conversassem sobre um pouco de tudo e de tudo um pouco. Desde a situação político-militar do país, à má prestação dos mambas nos jogos de qualificação ao Campeonato Africano das Nações, Gabão 2017.
Instantaneamente, numa velocidade estrondosa apareceram dois autocarros que vestiam as faixas de Museu-Magoanine. E José se despediu do Fabião com intenção de ver a última parte do serviço noticioso. Novamente, correu atrás de um deles, tendo alcançado o segundo.
Da praça da OMM à Imaculada levou apenas 17 minutos. Logo que desceu, apressou-se. Porém, um outro amigo interpela-o e diz:
– E aí, man? Sumido! Qual é a cena?
– ‘Stou good, brow! São desencontros!
– Respondeu a um passo galopante.
Chegado à casa, arrombou o portão, pois a casa estava às escuras. Em fracções de segundos, introduziu-se ao quintal e dirigiu-se ao quarto. Respirou 3 vezes e descarregou o fardo de livros que trazia sobre as costas. Momentaneamente, deitou-se na cama e enfiou os olhos ao calendário que havia sido afixado numa das paredes.
Num olhar tenebroso, deu-se conta que a data daquele dia lhe despertava alguma memória, embora silenciada. Francisco Cossa, um dos heróis da pátria amada que encontrou a sua morte na tragédia de Xilongué, que semeou muitas vidas humanas, incluindo adolescentes e crianças.
Antes do término do noticiário, José saiu do quarto e passou pela cozinha para refrescar a garganta que se queixava pela sede e dirigiu-se posteriormente para sala de visita e, cuidadosamente, acompanhou o resto do noticiário.
Antes do intervalo, por sinal, o último da noite, o apresentador rematou:
 “Literatura Moçambicana – Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate”
 Acompanhe o desenvolvimento desta e outras notícias já a seguir aqui no primeiro canal da televisão de Moçambique.
Em pouco tempo, José encolheu os ombros, agrupou as ancas, esticou as orelhas e mergulhou nas ondas do ecrã do televisor para acompanhar à notícia e reportagem de destaque.
(…)
Boa noite e sejam bem-vindos à terceira parte do telejornal.

 Literatura Moçambicana – Da Ameaça do Esquecimento à Urgência do Resgate” é o título da mais recente obra de Albino Macuácua, Lucílio Manjate e Osvaldo das Neves, lançada hoje em Maputo. Assim termina a presente edição do telejornal referente aos vinte e oito dias do mês de Outubro de 2015!

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